Artigos assinados

Responsabilidade histórica do STF

Autor: 
Aldo Rebelo
Data de publicação: 
16/09/2008
Fonte: 
OESP

No conflito que se desenrola na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, duas mulheres simbolizaram a complexidade da situação. Em 27 de agosto, no primeiro dia do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de ações que contestam a homologação de uma área contínua de 1,7 milhão de hectares para usufruto exclusivo das tribos, a índia uapixana Joênia Batista de Carvalho defendeu com ardor a expulsão dos não-índios que lá vivem e trabalham. "Estão em jogo os 500 anos de colonização", afirmou, na condição de primeiro indígena a advogar na Suprema Corte, num testemunho eloqüente de mobilidade social e integração à sociedade nacional. Joênia é casada com um "mestiço" e vive na cidade de Boa Vista.

Direitos dos índios não são ameaça

Autor: 
James Anaya
Data de publicação: 
15/09/2008
Fonte: 
FSP

Há um ano, no dia 13 de setembro de 2007, a Assembléia Geral da ONU adotou a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, marcando o fim de anos de estudos e trabalhos conjuntos entre governos, povos indígenas e especialistas de todo o mundo.

Ao adotar a declaração, a mais importante instituição de sociedade organizada do mundo -as Nações Unidas- proclamou o que deveria ter sido afirmado há muito tempo, mas não era amplamente aceito: que os povos e indivíduos indígenas, suas culturas e modos de vida estão à altura de todos os outros em dignidade e valor.

A declaração não estabelece novos direitos exclusivos para os povos indígenas, mas simplesmente toma princípios básicos de direitos humanos, que são aplicáveis a todos, e os detalha dentro do contexto histórico, cultural, político e social específico dos povos indígenas. Ela visa superar a marginalização e a discriminação que os povos indígenas têm enfrentado em todo o mundo como resultado dos históricos processos de colonização, conquista e desapossamento.

O Cimi e a Declaração da ONU

Autor: 
Denis Lerrer Rosenfield
Data de publicação: 
15/09/2008
Fonte: 
OESP, O Globo

Declarações são desencontradas e os números servem mais para encobrir do que para esclarecer os fatos e as intenções dos agentes políticos. O julgamento em curso sobre a Raposa Serra do Sol coloca questões relativas à soberania nacional que devem ser seriamente consideradas. Relegá-las a segundo plano seria um grave equívoco. O Itamaraty assinou a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas da ONU, contrariando pontos da própria Constituição brasileira. O Ministério das Relações Exteriores, por sua vez, procura se esquivar, afirmando, contra todas as evidências, que essa Declaração não precisaria ser ratificada pelo Congresso Nacional, quando é disso, precisamente, que se trata. Das duas, uma: ou a Declaração passa a ter vigência no País, independentemente de ser ratificada pelo Congresso, situando-se acima da Constituição brasileira, ou ela não tem nenhuma validade e, neste caso, não se sabe por que o Itamaraty a teria assinado. Uma simples assinatura sem nenhum valor? Custa a acreditar.

Índios nos limites constitucionais

Autor: 
Walter Ceneviva
Data de publicação: 
13/09/2008
Fonte: 
FSP

Os interesses dominantes nas questões das reservas para os índios, no Brasil, são -há personagens em todos os lados- marcados por forte viés econômico. Um dos cenários ficcionais divulgados, para ocultar ou disfarçar os interesses dominantes, consiste em afirmar ameaçada a soberania brasileira, em particular na fronteira com a Venezuela.

A soberania é mais que uma norma jurídica, mas fundamento para a República Federativa do Brasil, pois sem ela tudo se perde. A soberania se mostra sob diversas formas na Carta Magna, como na competência para manter relações com Estados estrangeiros e com organizações internacionais. Nenhum dos requisitos tomados para exemplificar se vê ameaçado pela situação criada pelas terras dos indígenas.

Terra, território e diversidade cultural

Autor: 
Juca Ferreira e Sérgio Mamberti
Data de publicação: 
09/09/2008
Fonte: 
FSP

O voto do ministro Carlos Ayres Britto sobre a reserva Raposa/Serra do Sol evidencia a oportunidade de deixarmos para trás os resquícios de uma mentalidade colonial e termos um avanço histórico, rumo a uma política contemporânea que contemple o diálogo produtivo entre as diversas etnias e culturas que compõem um país de dimensões continentais como o Brasil. O voto deixa claro, ainda, que o respeito ao espírito e à letra da Constituição de 1988 é o caminho.

As velhas novidades

Autor: 
Jaime Brasil Filho
Data de publicação: 
06/09/2008
Fonte: 
Folha de Boa Vista

Nem sempre o que é novo traz novidades, a humanidade tem sido a mesma desde o fim do neolítico, quando do surgimento do Estado.
Kautilya, no quarto século antes de Cristo, na antiga Índia, já se preocupava com a honestidade dos administradores públicos:
"O que provocar perda de receita reporá essa perda acrescentada de cinco vezes o seu valor. Se mentir, sofrerá a penalidade prevista para roubo." (Arthashastra, Kautilya)
Na Roma antiga, Petrônio, em seu "Satíricon", já citava poemas em que se demonstrava o medo de que os juízes da época se inclinassem mais para o poder econômico do que para a justiça:
"Onde o ouro é todo-poderoso, de que servem as leis?
Se não tem dinheiro, o pobre perde seus direitos.
O cínico, que é tão frugal e severo em público,
Secretamente negocia com a verdade.
Até mesmo Têmis se vende e, em seu tribunal,
A balança pende conforme o vil metal." (Petrônio, Satíricon)
O obscurantismo religioso, na Idade Média, com seus dogmas, imergia as populações da Europa em abismos de medo e culpa:
"A propósito do fim do mundo, ouvi pregar ao povo numa igreja de Paris que o Anticristo viria no fim do ano mil e que o Juízo Final se seguiria logo depois." (O Ano Mil, Georges Duby)
A única e grande novidade que o mundo de hoje nos apresenta é que nunca antes o ser humano conseguiu transformar de forma tão radical e profunda o meio-ambiente, a ponto de ameaçar a sobrevivência de sua própria espécie.
No passado, sempre que um sistema social (com seu modo de produção) dava errado, o homem buscava na natureza a sobrevivência de seu povo. Assim foi com o colapso do modo de produção escravista. Quando o grande Império Romano caiu em declínio, o que fizeram as pessoas que viviam nas cidades? Buscaram os campos e as margens dos rios, para sobreviver.
Temos, hoje, em algumas regiões do mundo, a poluição dos mananciais hídricos e a desertificação de grandes áreas de terra, conseqüências da retirada de boa parte da capa vegetal originária, das monoculturas extensivas (com uso de agrotóxicos e fertilizantes não menos poluentes), além da emissão de rejeitos industriais e esgotos domésticos nos cursos de água. Assim, para onde iriam as populações desses lugares quando seus sistemas sócio-econômicos falharem? Onde poderão se socorrer?
E em Roraima, o que vamos fazer quando as experiências "acacianas" falharem, ou for exaurida a força do solo com incessantes e extensos plantios de arroz e soja? O que acontecerá com o Rio Branco e seus peixes que são a fonte de proteína e renda para toda a população ribeirinha do Estado?
Neste caso, para Roraima, já sabemos quais serão as "novidades" em um futuro próximo, caso os "acacianos" e os agentes do agronegócio logrem êxito. Todos nós já sabemos quais são as conseqüências ambientais e sociais das monoculturas extensivas: concentração de renda e destruição dos recursos naturais. Esse é o grande debate por trás da questão da área Raposa - Serra do Sol: que Roraima queremos?

A declaração da ONU sobre povos indígenas e a soberania brasileira

Autor: 
Erika Magami Yamada
Data de publicação: 
03/09/2008
Fonte: 
ISA

Na semana passada (27/08), o Ministro Relator do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, surpreendeu com a força e a coragem de seu voto histórico em favor dos povos indígenas da Raposa-Serra do Sol, em Roraima, e do Brasil. Falou-se de uma Constituição que reafirma a compatibilidade da demarcação de terras indígenas de maneira contínua com a integridade das fronteiras do país. Falou-se de uma era constitucional compensatória que visa ao protagonismo de setores minoritários; de uma Carta Magna que valoriza e protege valores, culturas e formas de organizações indígenas; e de um país onde há lugar para todos.

Enquanto a questão da demarcação contínua das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingaricó ainda permanece sob discussão no Supremo Tribunal Federal, o Brasil já tem o que comemorar, e também o que refletir. Não há quem tire a beleza de um dia histórico em defesa dos indígenas e seus direitos na suprema corte do país - ainda que outros dias venham como dias comuns, a repetir os erros do passado, ainda que o voto em questão seja vencido. Contudo, na indesejada hipótese de voto vencido, preocupa saber que, em prejuízo dos povos indígenas, uma errônea opinião pode se fazer unânime e forte, a prejudicar a defesa de direitos e interesses indígenas no Brasil e no mundo: a suposição de que a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas pode ser desprezada no Brasil. Não pode.

Um voto extraterrestre

Autor: 
Jessé Souza
Data de publicação: 
02/09/2008
Fonte: 
Folha de Boa Vista

Um ex-astronauta da Nasa deu entrevista recentemente dizendo que os Estados Unidos mantêm contatos com extraterrestres desde a década de 60, assunto mantido em absoluto sigilo por causas óbvias: o mundo ruiria se os homens descobrissem que não somos nada, que nossa economia é um blefe, nossa tecnologia um arremedo, nossos transportes são carroças com rodas quadradas e nossas crenças um fiasco.

Ninguém mais acreditaria nas igrejas, em governos, em potências mundiais e todos ficariam sabendo que esse mundo é tão ultrapassado quanto vender guaraná com rolha. Descobriríamos finalmente de onde viemos e para onde iremos, pondo fim a todo o mistério da vida e o sentido de existir. Seria o fim.

Vejo o voto do ministro do Supremo, Ayres Britto, sobre a Raposa Serra do Sol, como o segredo dos extraterrestres revelados para a política local. As 108 laudas são tão aterradoras, por isso esse voto precisa ser vencido para a sobrevivência da forma local de fazer política, para se manter o falso nacionalismo, o alarmismo da invasão estrangeira e a ameaça à soberania.

Os indígenas e o STF

Autor: 
Jarbas Passarinho
Data de publicação: 
02/09/2008
Fonte: 
CB

O senador Garibaldi Alves Filho vem tendo admirável desempenho na Presidência do Senado Federal. Iterativa e comedidamente se queixa de que o Legislativo estaria sendo esvaziado de suas atribuições, ora pelo derrame de medidas provisórias, ora pelo Supremo. Isso decorre, em parte, do erro indesculpável dos constituintes de 1987 que, num texto presidencialista, embutiram a adoção, pelo presidente da República, em caso de relevância e urgência, de medidas provisórias.

A demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol

Autor: 
Stephen Grant Baines
Data de publicação: 
02/09/2008
Fonte: 
Secretaria de Comunicação da UnB

Nos últimos anos está havendo uma campanha de informações falsas, veiculadas através da mídia por uma meia dúzia de rizicultores (que ocuparam parte da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e vêm expandindo suas lavouras), junto com alguns políticos e empresários roraimenses, para desinformar a opinião pública a respeito desta Terra Indígena - questão re-acirrada por declarações de alguns militares à imprensa, e violências e agressões de alguns rizicultores contra os índios, culminando numa ação movida por fazendeiros e pelo governo do estado visando anular ou modificar sua demarcação, concluída em 1998 e homologada pelo governo do presidente Lula em abril de 2005.

Entretanto, o voto pela manutenção da demarcação em área contínua, proferido pelo ministro Carlos Ayres Britto em 27 de agosto último, foi um sinal positivo de que o Judiciário está respeitando os direitos constitucionais dos povos indígenas. O ministro, que é o relator da ação que contesta a demarcação no Supremo Tribunal Federal (STF), respaldando-se em argumentos sólidos, confirmou que “a extensão da área demarcada é compatível com as coordenadas constitucionais”, e que as características geográficas contra-indicam uma demarcação em ilhas.