A demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima, se viu envolta numa grossa polêmica nacional. Embora administrativamente concluída desde 2005, com a edição do decreto presidencial pertinente, uma operação policial para a retirada de arrozeiros ocupantes de parte da área foi objeto de reação violenta e acabou suspensa por decisão liminar do STF, em abril de 2008, ensejando uma manifestação contundente do comandante militar da Amazônia contra a política indigenista. Manifestações favoráveis e contrárias à demarcação se sucederam, com farta cobertura da imprensa.
O processo oficial de reconhecimento dessa terra indígena se arrasta há décadas. Dezenas de pessoas (na maioria índios, mas também não índios) já perderam as suas vidas nessa disputa. Após estudos sucessivos, a área foi formalmente identificada pela Funai em 1993, com a publicação no Diário Oficial da União (DOU) do seu memorial descritivo com as coordenadas geográficas do perímetro proposto para demarcação, que privilegiou limites naturais e excluiu a cidade de Normandia e as terras no seu entorno. Nos doze anos seguintes até a sua homologação, fortes pressões políticas retardaram o processo administrativo e promoveram a invasão de arrozeiros, a criação de mais um município dentro da área e a divisão entre lideranças e comunidades indígenas locais.
Porém, a cada fluxo de conflitos, a TI Raposa-Serra do Sol retorna à mídia como se fosse uma novidade. Mudam os atores (agora são arrozeiros, mas já foram garimpeiros e criadores de gado) e permanece o enredo, mas para a maioria dos jornalistas e intelectuais, o caso re-emerge, desmemorizado, requentado e apropriado a se enquadrar nas paranóias do momento, a se reduzir a polêmicas entre grupos políticos, entre governo local e nacional, ou se extrapolar como caso de soberania nacional. No calor do debate, informações descontextualizadas e números contraditórios proliferam, ficando difícil para o leitor, cidadão ou observador não especializado entender o que é o que.
O tratamento do caso, frequentemente, tem ignorado os próprios índios. Embora sejam quase vinte mil naquela área, de distintos povos, falando suas próprias línguas, agrupados em quase duzentas aldeias e organizados em entidades próprias, os índios são reduzidos a peças de tabuleiro, ou simplesmente desaparecem da história, substituindo-se os seus direitos e anseios por supostos interesses de terceiros.
Para repor a história do caso, recuperar a memória dos intelectuais e prevenir a opinião pública brasileira e as autoridades com poder de decisão, o ISA publica este dossiê que contém documentos, mapas, artigos assinados e notícias.