Por maioria expressiva de oito votos, o STF reafirmou a legalidade constitucional do decreto presidencial que homologou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada na parte mais setentrional do Brasil, em Roraima, onde vivem 19.000 índios ingaricós, macuxis, vapixanas, taurepangues e patamonas. Manteve os limites estabelecidos e ordenou a retirada dos invasores arrozeiros.
É a consagração do indigenismo brasileiro criado pelo Marechal Rondon em 1910, cujos resultados estão concretizados na demarcação de 550 territórios indígenas que perfazem 1,1 milhão de hectares, ou 12,9% do território nacional. O Brasil dá mais um passo em busca da reconciliação com os povos indígenas, sobre cujas terras originais se constituiu como nação. Os ministros do STF votaram com o coração na mão, cientes de que estavam proferindo as bases do reconhecimento dos direitos mais profundos daqueles índios. Reafirmaram a validade do processo de reconhecimento de terras indígenas e acolheram a visão rondoniana de que a realidade indígena está inserida integralmente na nacionalidade.
Nas ressalvas, os ministros deram resposta a todos os disputantes. Aos militares, concederam o direito de entrar em terras indígenas sem ao menos consultar os índios, caso seja do interesse nacional; aos servidores, estabelecram a legitimidade de ação do Estado. Aos índios, foi-lhes reafirmada a proibição de arrendar terras a não-índios, por terem o usufruto exclusivo.
Enfaticamente, o STF se pronunciou sobre o princípio de que o direito indígena não se sobrepõe ao direito da defesa nacional e da proteção do meio ambiente. Afirmação juridicamente desnecessária, apenas para politicamente posicionar a Constituição brasileira acima da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, promulgada pela ONU, que fala em seu artigo 3º que os índios têm direito à autodeterminação. Adicionalmente, propôs novos parâmetros para regular a demarcação de novas terras indígenas, parâmetros que vão requerer a anuência de estados e municípios sobre o reconhecimento dessas terras.
Por tudo isso, o STF deu um freio de arrumação no indigenismo brasileiro.
Agora caberá ao Executivo e ao Legislativo interpretar essa decisão histórica, agir na reformulação da política indigenista, sem comprometer os princípios rondonianos, e assim postar-se à altura dos novos tempos.
Mércio Pereira Gomes é antropólogo e foi presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).
O Globo, 15/01/2009, Opinião, p.7