Nem sempre o que é novo traz novidades, a humanidade tem sido a mesma desde o fim do neolítico, quando do surgimento do Estado.
Kautilya, no quarto século antes de Cristo, na antiga Índia, já se preocupava com a honestidade dos administradores públicos:
"O que provocar perda de receita reporá essa perda acrescentada de cinco vezes o seu valor. Se mentir, sofrerá a penalidade prevista para roubo." (Arthashastra, Kautilya)
Na Roma antiga, Petrônio, em seu "Satíricon", já citava poemas em que se demonstrava o medo de que os juízes da época se inclinassem mais para o poder econômico do que para a justiça:
"Onde o ouro é todo-poderoso, de que servem as leis?
Se não tem dinheiro, o pobre perde seus direitos.
O cínico, que é tão frugal e severo em público,
Secretamente negocia com a verdade.
Até mesmo Têmis se vende e, em seu tribunal,
A balança pende conforme o vil metal." (Petrônio, Satíricon)
O obscurantismo religioso, na Idade Média, com seus dogmas, imergia as populações da Europa em abismos de medo e culpa:
"A propósito do fim do mundo, ouvi pregar ao povo numa igreja de Paris que o Anticristo viria no fim do ano mil e que o Juízo Final se seguiria logo depois." (O Ano Mil, Georges Duby)
A única e grande novidade que o mundo de hoje nos apresenta é que nunca antes o ser humano conseguiu transformar de forma tão radical e profunda o meio-ambiente, a ponto de ameaçar a sobrevivência de sua própria espécie.
No passado, sempre que um sistema social (com seu modo de produção) dava errado, o homem buscava na natureza a sobrevivência de seu povo. Assim foi com o colapso do modo de produção escravista. Quando o grande Império Romano caiu em declínio, o que fizeram as pessoas que viviam nas cidades? Buscaram os campos e as margens dos rios, para sobreviver.
Temos, hoje, em algumas regiões do mundo, a poluição dos mananciais hídricos e a desertificação de grandes áreas de terra, conseqüências da retirada de boa parte da capa vegetal originária, das monoculturas extensivas (com uso de agrotóxicos e fertilizantes não menos poluentes), além da emissão de rejeitos industriais e esgotos domésticos nos cursos de água. Assim, para onde iriam as populações desses lugares quando seus sistemas sócio-econômicos falharem? Onde poderão se socorrer?
E em Roraima, o que vamos fazer quando as experiências "acacianas" falharem, ou for exaurida a força do solo com incessantes e extensos plantios de arroz e soja? O que acontecerá com o Rio Branco e seus peixes que são a fonte de proteína e renda para toda a população ribeirinha do Estado?
Neste caso, para Roraima, já sabemos quais serão as "novidades" em um futuro próximo, caso os "acacianos" e os agentes do agronegócio logrem êxito. Todos nós já sabemos quais são as conseqüências ambientais e sociais das monoculturas extensivas: concentração de renda e destruição dos recursos naturais. Esse é o grande debate por trás da questão da área Raposa - Serra do Sol: que Roraima queremos?
Aqueles que defendem uma soberania territorial não se manifestam em relação à soberania substancial, material e em muitas ocasiões são contraditórios em seus posicionamentos, aprovando leis contra os interesses amazônicos e se calando quando privatizam o subsolo.
Aqueles que são a favor dos arrozeiros e de outras monoculturas afirmam que o não uso agrícola das áreas indígenas inviabilizaria o desenvolvimento do Estado, mas não revelam o que é que foi feito com toda a área que já é utilizada, quais os reais benefícios que a tal "agroindústria" trouxe para Roraima (mas não vale citar dados falsos).
Se não criarmos uma antítese, uma onda contrária aos interesses que, se não forem impedidos, deixarão o povo de Roraima sem lugar pra ir e sem meios para viver, os velhos problemas dos velhos livros continuarão sendo atuais e nunca deixarão de ser velhas novidades.
Jaime Brasil Filho, Defensor Público
Folha de Boa Vista, 06/09/2008, Opinião.