Um voto extraterrestre

Autor: 
Jessé Souza
Data de publicação: 
02/09/2008
Fonte: 
Folha de Boa Vista

Um ex-astronauta da Nasa deu entrevista recentemente dizendo que os Estados Unidos mantêm contatos com extraterrestres desde a década de 60, assunto mantido em absoluto sigilo por causas óbvias: o mundo ruiria se os homens descobrissem que não somos nada, que nossa economia é um blefe, nossa tecnologia um arremedo, nossos transportes são carroças com rodas quadradas e nossas crenças um fiasco.

Ninguém mais acreditaria nas igrejas, em governos, em potências mundiais e todos ficariam sabendo que esse mundo é tão ultrapassado quanto vender guaraná com rolha. Descobriríamos finalmente de onde viemos e para onde iremos, pondo fim a todo o mistério da vida e o sentido de existir. Seria o fim.

Vejo o voto do ministro do Supremo, Ayres Britto, sobre a Raposa Serra do Sol, como o segredo dos extraterrestres revelados para a política local. As 108 laudas são tão aterradoras, por isso esse voto precisa ser vencido para a sobrevivência da forma local de fazer política, para se manter o falso nacionalismo, o alarmismo da invasão estrangeira e a ameaça à soberania.

Ponto por ponto, o voto do ministro destrói cada um desses argumentos, matando monstros, destruindo paranóias, clareando leis e pondo a Constituição Federal no seu devido lugar para resguardar a verdadeira soberania brasileira e os direitos dos povos indígenas.

Cada ponto do relatório do ministro põe às claras as bravatas, os falsos argumentos, as retóricas, o xenofobismo, o preconceito e o racismo. Linha por linha, Ayres Britto devolve à História o seu devido respeito a quem de direito, apontando quem são os que transgridem, os que invadem, os que alardeiam o falso apocalipse.

Se o voto do ministro não for derrubado pela elite agrária e econômica, todos os seus discursos ficarão obsoletos, e eles terão que encontrar novos argumentos, novos pânicos, novas paranóias e nova forma de fazer política.

Terão que refazer planos, estudar novos comportamentos, respeitar leis, obedecer a Constituição e passar a enxergar povos indígenas como gente, com seus direitos e com sua parcela de contribuição.

O voto de Ayres Britto é um extraterrestre que o poder local precisa destruir e esconder. Senão, a população local vai descobrir que, mais uma vez, tudo não passa de alarde para que eles (os poderosos) continuem se mantendo no poder, à custa de um pânico que paralisa, de uma incerteza que dá voto e mantém status.

As pessoas descobririam que sacos de grãos não protegem soberania e que o Brasil é feito de diferentes, onde leis precisam ser respeitadas e instituições preservadas, inclusive de molotovs. Nunca um voto foi tão aterrador para ameaçar um poder que se acha acima de qualquer lei e de qualquer suspeita.

Jessé Souza, jornalista - jesse@folhabv.com.br

Folha de Boa Vista, 02/09/2008, Opinião.