BRASÍLIA - Comandante militar da Amazônia e um dos oficiais mais respeitados da ativa, o general Augusto Heleno perdeu na forma, mas ganhou no conteúdo. Perdeu por falar em público contra a política indigenista do governo e a homologação da reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima. "Ordem e disciplina" são princípios basilares para um militar. Levou uma bronca.
E ganhou no conteúdo por botar em discussão não só a reserva, mas a própria política indigenista. Ele está lá, vendo e vivendo o problema. Sabe que reserva imensa pode ser como presente de pai milionário: compra o filho e larga pra lá.
A Raposa/Serra do Sol tem 17,5 mil km2 e em torno de 17 mil índios, numa área contínua, rica em minérios e na fronteira. Na cabeça de militar, isso é um "risco à soberania nacional", o que é uma bobagem tão grande quanto dizer que o general "não gosta de índio" -60% dos seus soldados são o quê?
Mas não é bobagem discutir uma questão que envolve direitos indígenas, ONGs e religiosos internacionais, garimpeiros e produtores de arroz, num cipoal de interesses que se contrapõem, em solo minado pela ganância, de um lado, e pela ideologia, do outro.
A demarcação foi em 1998, por FHC, e homologada em 2005, por Lula. Como efeito prático, foi iniciada, e depois suspensa pelo Supremo, a retirada dos não-índios, sinônimo de expulsão dos arrozeiros que atuam ali há décadas.
Foi nesse clima que o general Heleno se manifestou, e não se pode ignorar que ele teve apoios públicos do governador do Estado e de três partidos. Em privado, até de setores do próprio governo.
Lula mandou repreender o general e se comprometeu com a desocupação da reserva, mas é importante investigar in loco, com envolvidos e atingidos, o que se passa naquele pedaço de país que é decidido à distância, com paixão e nem sempre com conhecimento de causa.
FSP, 20/04/2008, Opinião, p. A2.