Para os índios brasileiros, a terra não é um valor econômico, mas um bem essencial para sua sobrevivência. Isso é muito diferente da concepção dos que invadem áreas indígenas visando aumentar o patrimônio sem pagar pelas terras de que se apossam ilegalmente, sem consideração de ordem ética e sem respeito pela vida e pela dignidade dos seres humanos que são os índios.
A constituição não pode ficar à mercê de um Poder Executivo que, exorbitando de suas funções, se apropria de funções legislativas e mesmo jurídicas. O governo não legisla só por meio de medidas provisórias, mas o faz também por atos administrativos que incidem sobre a vida dos cidadãos e, mesmo, sobre princípios constitucionais.
Ao mesmo tempo que a demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol se vai transformando em delicada questão internacional - com a decisão do relator especial da ONU para direitos indígenas de visitar a região -, o Supremo Tribunal Federal (STF) decide na próxima semana se confirma a demarcação homologada pelo presidente da República em 2005 ou se dá razão aos plantadores de arroz que ocuparam porções ali, recusam-se a sair e são apoiados por grande parte da corporação política do Estado, em sua pretensão de que o STF mande fazer uma demarcação apenas em "ilhas" ao redor das aldeias e permita aos invasores permanecer onde estão.
As recentes medidas da Funai de identificação e demarcação de terras indígenas na Raposa Serra do Sol, em Roraima, e no sul do Estado de Mato Grosso do Sul recolocam com força problemas de ordem constitucional que vinham sendo relegados a uma posição secundária. O avanço sobre as propriedades privadas estava sendo visto como algo "normal", que não afetaria o ordenamento constitucional, até o momento em que a sua intensidade terminou por colocar também um problema concernente ao próprio pacto federativo.
Há coisas em nossa casa que prezamos muito. Mas, se um incêndio ameaçá-la, deixamos tudo de lado e nos agigantamos para chegar até o quarto e salvar os filhos.
Alguns temas da vida nacional são comparáveis ao quarto dos filhos porque guardam o fundamento, o profundo, o que separa o essencial do apenas importante. Às vezes não é fácil percebê-los, pois falta sensibilidade e sobra pragmatismo. A diversidade cultural é um deles. Está no cerne da identidade brasileira e, de alguma forma, nos orgulhamos dela e a exibimos em expressões artísticas, esportivas, em imagens, natureza e história.
Engana-se quem pensa que os problemas desse Estado do extremo norte do País digam respeito somente aos que lá vivem. Olhando de longe, poderíamos dizer: não é conosco! Midiaticamente, porém, eles terminaram ganhando relevo graças à ação de proprietários rurais, índios, militares e governantes que se insurgiram contra a política indigenista tal como está sendo conduzida pelo governo, por considerá-la prejudicial ao interesse nacional.
Cinco arrozeiros, políticos e militares atacam os direitos indígenas previstos na Constituição, alegam riscos à soberania nacional. Supõem que terras da União, de usufruto indígena, seriam declaradas pelos índios como Estados independentes, separadas do Brasil e entregues ao "estrangeiro". Seria cômico se não fossem trágicas as conseqüências dessa campanha ideológica.
Tal campanha é retórica, sem qualquer compromisso com a realidade. As terras indígenas são de domínio da União e
“O problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los. Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político.
Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.”
Norberto Bobbio em “A Era dos Direitos”.
É muito especial para mim estrear no território dos internautas, por meio de Terra Magazine, a quem agradeço pela oportunidade. Espero dedicá-la a um bom diálogo com as críticas e idéias de todos vocês. Também é especial por acontecer num momento novo, no Brasil e no mundo, que exige conhecimento, sensibilidade e intuição para identificar, na massa impressionante de informações que nos chega, a profundidade dos fatos e processos, a conexão entre passado e futuro, enfim, o nosso espaço de escolhas reais, sejam individuais ou coletivas.
Entende-se por bifurcação a situação de um sistema instável em que uma alteração mínima pode causar efeitos imprevisíveis e de grande porte. Penso que o sistema judicial brasileiro vive neste momento uma situação de bifurcação. O Brasil é um dos países latino-americanos com mais forte tradição de judicialização da política. Há judicialização da política sempre que os conflitos jurídicos, mesmo que titulados por indivíduos, são emergências recorrentes de conflitos sociais subjacentes que o sistema político em sentido estrito (Congresso e Governo) não quer ou não pode resolver. Os tribunais são, assim, chamados a decidir questões que têm um impacto significativo na recomposição política de interesses conflituantes em jogo.