O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Roraima (OAB), Antônio Oneildo Ferreira, é o nosso entrevistado virtual desta semana. Ele se posiciona sobre a legalidade da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol e detalha, a pedido dos internautas, o direito dos indígenas previsto no artigo 231 da Constituição Federal.
1 – Paulo André
Como o senhor vê a questão, do ponto de vista legal e social, da retirada de famílias que já vivem há décadas na área Raposa Serra do Sol, já constituíram famílias, muitos casados com indígenas, pessoas que vieram para Roraima quando poucos se arriscavam, inclusive com o aval do poder público ou no mínimo com a sua omissão? E ainda o que se pode fazer do ponto de vista legal no caso de quem já recebeu esta mísera esmola que o Governo Federal chama de indenização?
Oneildo – São vários pontos. Reconhecida a área como indígena, naturalmente que todos os não-índios têm que ser indenizados e retirados da área. As pessoas que há muito tempo ocupam o local não têm os elementos jurídicos necessários para lá permanecerem. Neste caso, o tempo não é nenhum fato de legitimação dessa posse. O valor da indenização é o valor das benfeitorias que as pessoas possuem na área. Não é uma coisa genérica, os valores são específicos com base na existência de bens de cada um.
O parágrafo 4º do artigo 231 da Constituição Federal diz que as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis, significando dizer que quando se reconhece uma terra como indígena, tal fato se impõe de forma absoluta, não comportando nenhuma discussão quanto a direitos eventualmente construídos nestas áreas.
Penso que nós, não-índios, em que pese opiniões contrárias aqui em Roraima, temos mais direitos que os indígenas, já que as terras indígenas pertencem à União não podendo os índios titularem, alienarem ou disporem destas terras, enquanto nós, não-índios, podemos titular, alienar e dispor de nossas propriedades.
Já o parágrafo 6º do mesmo artigo, construído pelos autores da Constituição de 1988, aqui incluído todos os parlamentares de Roraima que participaram da elaboração da Constituição Cidadã, diz que são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas, não remanescendo, desta forma, qualquer fundamento jurídico para permanência de não-índios dentro de áreas indígenas. Isto não é uma invenção nossa. Foi uma opção política e jurídica dos que elaboraram nossa atual Constituição.
No Brasil, tem um sentimento de conivência com as normas e de insatisfação com sua aplicação, ou seja, ninguém vê problema na construção das normas jurídicas, mas há grande resistência ou discussão, de forma equivocada, na aplicação destas normas contidas na Constituição. Não há o que ser discutido. A Constituição deve ser cumprida.
2 - Antonio Aparecido Giocondi
O que a OAB-RR irá fazer para impedir os abusos dos prepotentes que querem ganhar sempre, mesmo quando não têm direito?
Oneildo – Eu acredito que esta discussão no Supremo vai ser técnica, com base em fundamentos jurídicos constitucionais e apesar de não ignorar os políticos que têm interesses e que exploram esta questão, os fundamentos para esta decisão serão aqueles contidos na Constituição Federal.
3 - Odimar Pereira de Melo
Você não acha que os índios são colocados na batalha de frente pelas ONGs e por isso sofrem sanções policiais?
Oneildo – Tem manipulação sim de uma parte de indígenas, um número pequeno. Mas esta discussão de ONGs é uma coisa genérica, não vejo alguém indicar uma ONG especificamente. A única ONG que vejo atuar nesta situação é o CIR, que é composto por indígenas e voltado para indígenas de forma legítima.
4 - Jackson
Muita gente fala sobre a Raposa Serrado Sol, mas na verdade a grande maioria só repete a opinião aristocrática da mídia. Mas os estudiosos do direito sabem que compete exclusivamente à união demarcar e homologar terras indígenas e a menos que o STF “rasgue” mais uma vez a CF, a demarcação será mantida. Gostaria de saber a sua opinião como jurista e não a sua opinião sobre o assunto, pois a opinião pessoal do senhor deve ser a mesma da maioria.
Oneildo – A minha opinião pessoal é de que a área deve ser demarcada e mantida como está. A minha opinião como especialista em direito constitucional e presidente da OAB é que respeitada a Constituição, em todos os seus termos, a demarcação deve ser mantida da forma como foi feita.
5 - Márcio Hélio
O que a Comissão de Direitos Humanos faz em prol das famílias dos policiais mortos defendendo a sociedade? Presta algum tipo de assistência?
Oneildo – A Comissão de Direitos Humanos atende a casos de abusos, de violências praticadas contra a pessoa humana. A maioria dos casos registrados na Comissão é relativa a abusos cometidos pelas polícias e outras omissões do Estado quanto a direitos constitucionais. Não tem nenhum caso registrado na Comissão de Direitos Humanos de policiais assassinados. Não sei qual o sentido da indagação.
6 - Sandro
O senhor vem se mantendo presidente da OAB por estes anos todos somente com a intenção de ser indicado à vaga de desembargador do TJ/RR via quinto constitucional?
Oneildo – Não. A OAB mudou a legislação quanto ao quinto constitucional, no sentido de proibir a participação na lista de advogados que estejam ocupando cargos de direção dentro da entidade. Não tenho nada desenhado no sentido de ocupação do quinto.
7 - Ana Cassia
O que o senhor acha que vai acontecer se decidirem pela retirada dos arrozeiros? Será que vai ter conflitos?
Oneildo – Não. Acho que o Estado brasileiro cumprirá a decisão judicial. Se, eventualmente, tiver alguma violência, no que eu não acredito, esta será pontual e restrita a algum caso entre as autoridades responsáveis pelo cumprimento da decisão e um ou outro renitente a decisão judicial. Após isso, com certeza teremos paz na região, pois que não haverá mais motivos para conflitos ou choques. Poderemos até ter insatisfação, mas violência não, pois os fatores motivadores destas tensões já estarão totalmente desmobilizados e desconstituídos desta região.
8 - Wandilson Prata
Vejo que o abuso de autoridade está ficando bem preocupante, não só aqui no Estado de Roraima, mas também em vários estados brasileiros e não é apenas com indígenas. Qual seu ponto de vista sobre essa situação e qual seria a melhor maneira de solucioná-la?
Oneildo – Primeiro, estruturar promotorias (Ministério Público) especializadas para promover os processos envolvendo casos de abuso de autoridade nas áreas cível, criminal e administrativa, com o afastamento de todos aqueles que cometem abusos de autoridade. Penso que somente com um tratamento mais rigoroso de responsabilização destes agentes que extrapolam suas atribuições, com atos abusivos, inibiriam esses excessos.
9 - Frankeslane Sampaio Barbosa
Qual a viabilidade de implantação de um núcleo de direitos humanos dentro da estrutura da Academia de Polícia Integrada de Roraima ou mesmo dentro da Polícia Militar de Roraima para acompanhar a formação e a posterior atuação dos policiais militares? 2 - O senhor é a favor da desmilitarização das polícias? Por quê?
Oneildo – Não vejo a desmilitarização como um fator que vá resolver alguma coisa para a sociedade, porque tanto a Polícia Militar como a Civil, que é desmilitarizada, cometem os mesmos tipos de abusos, sem nenhuma diferença. Acredito que o núcleo de direitos humanos seria muito importante na formação e reciclagem da polícia. Com formação interna intensa e um rigoroso controle pelo Ministério Público relativo aos abusos com certeza a violência policial seria diminuída drasticamente.
10 - Claudiocesar de Oliveira
O que a OAB pode fazer para acabar com a impunidade da Funai, pois a Funai chega e intimida as pessoas e incita os índios para as invasões. Já passei por isso na área São Marcos.
Oneildo – Não temos nenhum caso registrado de abuso jurídico da Funai. Às vezes o que as pessoas vêem como abuso não passa de discordância da forma como são encaminhadas as questões em áreas indígenas, que possuem uma legislação específica e radicalmente diferenciada da legislação aplicável aos não-índios.
11- Rosimar Bonates
Qual o incentivo que a OAB tem para os acadêmicos de Direito?
A OAB tem projetos de incentivos na Universidade e Faculdade de Direito? Na semana do advogado a OAB não lembra dos acadêmicos, por que?
Oneildo – O foco principal da OAB é a advocacia já que ela é uma autarquia federal focada em atribuições corporativas e institucionais vinculadas ao exercício dessa profissão. Estamos colaborando com as faculdades de Direito através de convênios, oportunizando estágios e outros espaços para os estudantes, não sendo possível um maior direcionamento neste sentido. Mas todas as atividades da OAB são abertas e acessíveis aos estudantes.
12 - Flávia Alessandra
O acusado Luciano Queiroz será expulso do quadro da OAB se vier a ser condenado pelo Juízo da 2ª Vara Criminal pelos crimes de pedofilia em que é acusado?
Oneildo – Não tenho como falar de um resultado de processo ético disciplinar instaurado dentro da entidade. Caberá ao Tribunal de Ética e Disciplina e ao Conselho Seccional decidirem esta questão. Com certeza será aplicado o Estatuto da Advocacia e da OAB, conforme o Código de Ética e Disciplina, de forma rigorosa num caso como este.
13 - Fernando
As lideranças que apóiam a demarcação disseram que não aceitavam pessoas de outros estados se meterem em assuntos de Roraima pelo fato de arrozeiros terem feito a Marcha até Pacaraima. No entanto, pessoas de outros países vêm e dão sua opinião e apoio sobre a demarcação. Qual sua opinião a respeito disso?
Oneildo – Todos têm direito a opinião. Quanto aos organismos internacionais (ONU, OEA) tão criticados e incompreendidos em Roraima, eles têm se manifestado dentro de um quadro estritamente especificado em seus estatutos e convenções internacionais aos quais o Brasil é vinculado. Esta questão dos organismos internacionais é uma crítica que não tem fundamento, pois dizer que a ONU e a OEA não têm nada a ver com questões de direitos humanos no Brasil é a mesma coisa que alguém se filiar a um clube, se subordinando a determinadas regras e na hora da cobrança dizer que não admite ingerência externa. Quem não desejar ingerência da ONU e da OEA de forma estatutária é só se desincompatibilizar destas entidades e denunciar através do Senado as convenções e acordos internacionais relativos a esta matéria. Quanto a questão dos direitos humanos, aí incluídos, necessariamente, os direitos de minorias dentre eles os indígenas, independentemente do país ser filiado ou não têm documentos internacionais que autorizam estas instituições a tratarem sobre este tema.
14 - Eduardo Ferreira Barbosa
É legal tirar os moradores de Pacaraima de suas casas, onde moram há muitos anos, como se tivessem invadido tal localidade? Não fere o princípio da propriedade e o direito adquirido, assegurados na nossa Carta Magna?
Oneildo – Não. Lá é uma terra indígena. Não havendo o que se falar em propriedade, mas em simples posse. As terras indígenas pertencem à União, que não comporta usucapião, ou seja, aquisição da propriedade ou de direitos através do tempo de uso.
Folha de Boa Vista, 25/08/2008, Especiais, Entrevista Virtual - Antônio Oneildo Ferreira.