Na última quarta-feira, quando Joênia Carvalho Wapichana subiu à tribuna do Supremo Tribunal Federal para defender a demarcação contínua da reserva Raposa/Serra do Sol, senti um grande orgulho do Brasil.
Pensei no caminho percorrido até Joênia, primeira advogada índia a fazer uma defesa oral no Supremo, assumir simbolicamente o pleno lugar dos indígenas na nossa identidade.
Apesar de séculos de erros e de violência, que quase levaram ao extermínio de nossas populações originais, estamos no rumo certo. Só faltava assumi-lo de vez, e o relatório consistente, contundente e bem informado do ministro Carlos Ayres Britto, um marco na mediação do Estado em questões de terras indígenas, o fez por nós, com muita grandeza. Depois dele, não há como não entender as razões para assegurar aos índios seus territórios originários. Por outro lado, será difícil argumentar a favor da pretensão de assimilá-los à força, para atender a interesses circunstanciais.
Quando Joênia Batista de Carvalho, advogada brasileira da etnia wapichana, ocupou a tribuna do STF, na quarta-feira, não representou apenas a causa territorial dos indígenas de Roraima, como constava da agenda. Ao se paramentar com as marcas faciais de sua tribo e arrolar os fatos da relação dos indígenas de Roraima com o general Rondon e o Exército na demarcação dos confins do território brasileiro, o que os fez brasileiros muito antes de outros protagonistas do pleito, pôs em causa conexões inevitáveis do que motiva o processo. Trata-se de um processo de conotação histórica porque nele está em jogo mais do que a contestação do direito dos índios daquele Estado a uma reserva íntegra, já decretada com base na Constituição, que lhes assegure a materialidade de seu território de ocupação imemorial.
O voto do relator Carlos Ayres Britto no STF (Supremo Tribunal Federal) trouxe alguma luz sobre a controversa TIRSS (Terra Indígena Raposa/Serra do Sol). Mas muita confusão e má-fé ainda se propagam pelo éter, na internet e sobre papel, o que justifica voltar ao tema.
O prefeito de Pacaraima (RR), Paulo César Quartiero (DEM), líder dos rizicultores que contestam a área contínua homologada, alega que seu município desaparecerá. Não é verdade.
Todas as terras indígenas (TIs) do Brasil ficam dentro de municípios e Estados (às vezes, em mais de um).
Já sou velho o suficiente para não me deixar encantar pelas ilusões românticas com que pretendem nos envolver exaustivamente, por intermédio da mídia. Agora mesmo, por exemplo, sou obrigado a tomar conhecimento, pelos jornais, de que a eterna pendenga relativa à reserva indígena Raposa Serra do Sol permanece inconclusa.
Ontem foi Dia do Índio no Supremo Tribunal Federal (STF). Nada impede que mais à frente o julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol (TIRSS) acabe num Dia do Arrozeiro, mas tal desfecho parece agora menos provável.
O voto do relator Carlos Ayres Britto veio com ímpeto demolidor. Britto não se limitou a declarar a improcedência da ação popular. Tratorou, um por um, os débeis argumentos alinhavados na ação movida no interesse de meia dúzia de fazendeiros de arroz.
A probabilidade de conflitos sangrentos em Roraima entre indígenas e, de outra parte, cinco grandes arrozeiros, empregados seus e 21 famílias de pequenos agricultores, motivados pela ocupação de terras a ser julgada hoje pelo Supremo Tribunal Federal, é a mesma e ininterrupta história que aqui se reproduz há 500 anos, 186 de país livre para construir sua identidade, 119 anos de República para instalar Ordem e Progresso. É quase inacreditável que todo esse passado de séculos ainda esteja tão presente, jamais confrontado por um propósito verdadeiro e nacional de dar aos indígenas o respeito por sua condição humana.
Macunaíma, 'herói da nossa gente', nasceu na beira do rio Urariocera, que hoje se encontra no estado de Roraima. Ele simboliza 'um herói sem nenhum caráter' e vivencia incessantes metamorfoses. É índio, é negro, é branco, xamânico e moderno. O personagem-mito de Mário de Andrade também é uma síntese da diversidade cultural brasileira e de uma identidade nacional costurada por inúmeras proveniências culturais, que convivem em harmonia.
Curiosamente, Macunaíma nasceu na região de Raposa/Serra do Sol, foco de uma perigosa e falsa polêmica sobre a demarcação contínua das terras dos índios Ingaricó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana. Esses povos são guardiões de culturas milenares, cujas expressões e manifestações devem ser protegidas e promovidas – assim como o devem todas as tradições culturais brasileiras. A polêmica sobre a demarcação das terras dos índios foi encaminhada a nossa Suprema Corte, que deve brevemente se pronunciar. Caso tenhamos uma decisão contrária aos direitos desses povos indígenas, daremos início a um drástico retrocesso em nossas políticas de diversidade cultural. Diante, portanto, da delicada situação que ameaça o convívio multicultural e democrático que marca o nosso País, o Ministério da Cultura não poderia silenciar.
A demarcação de reservas indígenas em Roraima faz voltar ao debate público a controvertida decisão do atual governo de ratificar a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas. O referido documento, negociado nas Nações Unidas em 1993, levou quase 15 anos para ser aprovado, com 4 votos contra e 11 abstenções. Canadá, EUA, Austrália e Nova Zelândia, com populações indígenas significativas, votaram contra. O Brasil, nas mesmas condições, votou a favor (Celso Amorim, como ministro das Relações Exteriores, assinou a Declaração em 1993 e a ratificou em setembro de 2007).
Estou no Colorado para a Convenção que indicará Barack Obama oficialmente candidato do Partido Democrata à Casa Branca. Porém, antes de entrar neste assunto pretendo falar de outro, que julgo mais importante: a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira, em que os juízes decidirão se consideram ou não inconstitucional a demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima.
No norte de Roraima há um lugar que os macuxis chamavam de Pedra da Raposa. Era a casa onde elas se encontravam, desde sempre. E por muito tempo, também, foi o local em que os índios se reuniam para sair em pescaria.
Por ali andou igualmente Insikiran, um dos irmãos de Macunaíma. Ele, o grande herói macuxi cujo nome foi imortalizado -para nós, quase-não-índios- na obra-prima de Mário de Andrade. Um lugar sagrado.
A Pedra da Raposa hoje se chama Pedra Preta, nome bem prosaico dado pelos brancos (há de fato uma rocha escura por ali). Ela se encontra na divisa de uma fazenda do arrozeiro Paulo César Quartiero, líder da resistência contra a homologação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol (TIRSS). Índios não têm mais acesso ao local.