General ecoa pensamento militar

Autor: 
Ricardo Bonalume Neto
Data de publicação: 
19/04/2008
Fonte: 
FSP

Os desabafos recentes do general Augusto Heleno Ribeiro Pereira sobre o que considera a péssima política indigenista do governo federal na Amazônia não são declarações impensadas de apenas um militar isolado. Ao contrário, refletem fielmente o pensamento da maior parte da oficialidade vinculada à região -não só do Exército, mas também da Marinha e Força Aérea.

O presidente Lula teria ficado indignado com as críticas de Heleno. É irônico, pois foi o general quem proporcionou ao presidente um dos seus momentos mais midiáticos de relações exteriores. Foi sob o comando de Heleno da força de paz da ONU no Haiti que foi ali realizado em 2004 um jogo de futebol entre as seleções dos dois países, com a presença do presidente que adora metáforas futebolísticas populistas.

Foi um verdadeiro milagre de organização fazer um jogo com estrelas mundiais do futebol, num país em conflito, num estádio que faria o campo do Juventus parecer o Maracanã.
O fato de Heleno ser hoje o comandante do Exército na Amazônia é prova de seu alto cacife na Força Terrestre. Não existe comando regional mais "peruado", isto é, "cobiçado", como dizem os militares.

E antes disso ele foi o primeiro comandante da missão no Haiti, considerada de extrema importância pelo Exército. Heleno foi adido militar na França, fala francês impecável e "se vira em inglês", em uma Força em que monoglotas são maioria. A experiência diplomática também o ajudou a se guiar no pântano da política haitiana.

Na América Latina, onde a ameaça de guerra com vizinhos é pequena, sobram conflitos "assimétricos": guerrilhas, terrorismo, ocupações ilegais.

É por isso que a Força Aérea ajudou a Embraer a desenvolver o A-29 Super Tucano, o primeiro (e único) avião de combate criado especificamente para a região amazônica, e para ações Coin (sigla em inglês para "contra insurgência"). A recente morte do líder guerrilheiro colombiano Raúl Reyes foi obra desse versátil avião.

Já a Marinha mantém presença constante na região através de navios de patrulha fluvial de projeto único no mundo, além de destacamentos de sua tropa de elite, o Corpo de Fuzileiros Navais. É curioso lembrar que, para mostrar a importância de defender o mar territorial brasileiro e sua zona econômica, a Marinha chama o oceano de "Amazônia Azul".
A Amazônia é a região do Brasil onde o Estado se faz menos presente, onde existem conflitos sérios em países vizinhos -como a narcoguerrilha da Colômbia-, para não falar de polêmicos líderes "hermanos" como Hugo Chávez.

É justamente com a Venezuela "bolivariana" que o Estado de Roraima dos atuais distúrbios indígenas faz fronteira.

Uma das populações indígenas nessa fronteira dá uma pista do "pensamento" acadêmico existente, que vai dos 8 aos 80. Os ianomâmis foram considerados, pelo antropólogo americano Napoleon Chagnon, como "o povo feroz", maníacos por guerra para obter fêmeas e matar rivais. Já antropólogos brasileiros, estribados na velha idéia rousseauniana do "bom selvagem", sempre foram ferozes críticos da tese.

Além da criação de reservas, não existem ainda soluções pensadas para de fato integrar os índios ao resto do país que não da maneira atual -pela prostituição e pelo alcoolismo.
Anos atrás, um dos mais respeitados cientistas brasileiros, Isaías Raw, que fez carreira no Instituto Butantan, de São Paulo, criticou em artigo nesta Folha que as reservas eram uma espécie de zoológico de índios, uma reserva de mercado onde os antropólogos poderiam fazer suas pesquisas. Foi, claro, muito criticado. O debate não avançou nada desde então.

FSP, 19/04/2008, Brasil, p. A6.