Mais uma vez o assunto é Raposa Serra do Sol. Depois da incontestável vitória dos índios contra os arrozeiros (que já sabem que serão sumariamente expulsos da reserva) e, por tabela, contra todas as autoridades de Roraima, do governador aos deputados, vem à tona essa discussão absolutamente tola e sem sentido sobre as tais "18 condições" sugeridas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, em seu voto.
A principal condição _ a de que as Forças Armadas tenham livre acesso à reserva para instalar postos de fronteira e pelotões _ já está plenamente contemplada na Constituição e, na prática,nunca foi desrespeitada. O Exército tem pelotões de fronteira em diversas áreas indígenas e, como eu escrevi há alguns dias, só não tem mais por falta de infra-estrutura ou por incompetência. Jamais se ouviu falar que a Funai ou tribos indígenas tenham agido para impedir a livre circulação de soldados nos pelotões.
Como as terras continuam sendo da União, administradas pela Funai, também está implícito que podem ser feitas todas as obras de infra-estrutura necessárias ao país. Os estudos para a construção de hidrelétricas têm de obedecer, como em qualquer outra área do país, os estudos de impacto ambiental _ e dentro desses impactos estão os que podem ter influência na vida dos índios. A questão é complexa (e deve ser mesmo), por afetar a vida de pessoas que devem ser protegidas pelo Estado brasileiro.
Mineração em terras indígenas é tema de um projeto em discussão no Congresso, e enfrenta a objeção de líderes indígenas como David Yanomâmi. Há casos mal resolvidos, como o da reserva dos índios cinta-larga, em Rondônia, onde brancos exploram ilegalmente os diamantes pagando taxas aos índios, mas o problema é de falta de fiscalização, como tudo nesse país, e não de legislação. Não é uma condição baixada pelo STF que vai mudar a situação de fato dos garimpos ilegais dentro e fora de áreas indígenas.
Sempre coube à Funai estabelecer as regras para a entrada e a permanência de não-índios nas terras indígenas, o que torna outra "condição" de Menezes Direito totalmente desnecessária e inócua. Da mesma forma, é chover no molhado dizer que as terras indígenas não podem ser arrendadas ou negociadas. Será que o ministro não sabe que terra indígena é propriedade da União e, por isso, não pode ser arrendada? Pode ser grilada, como fizeram os arrozeiros em Raposa Serra do Sol e milhares de outros produtores inescrupulosos pelo país afora.
Duas das condições são preocupantes, primeiro porque, com elas, Direito e os ministros que seguiram seu voto se arvoraram no direito de legislar, usurpando uma função do Poder Legislativo. A primeira diz que a Funai não pode ampliar terra indígena já demarcada. Por que não pode? Se houver necessidade de ampliar, é só reiniciar todo o processo de demarcação, homologação, etc. Em Raposa, essa discussão é inócua, porque jamais haverá necessidade de ampliação da reserva. Mas há casos no Mato Grosso do Sul de índios absolutamente espremidos em terras minúsculas, precisando de mais espaço. Por que não se pode discutir o assunto, propor a ampliação? Uma "condição" do STF não parece o meio mais adequado para impor tal proibição.
A outra condição preocupante é a que diz que os índios só podem explorar os recursos hídricos ou energéticos de suas terras se o Congresso autorizar. Que história é essa? A terra é deles, e os rios que passam dentro dessas terras são deles também. Podem ser explorados para uma série de coisas: pesca, irrigação de plantações, produção de energia elétrica, construção de redes de água nas vilas das reservas, etc. Você, por acaso, imagina uma tribo indígena tendo de pedir autorização ao Congresso para tirar água de um rio dentro de sua reserva? Definitivamente, Carlos Alberto Menezes Direito é melhor como ministro do STF do que como o pretenso legislador que ele pretende ser.
Rodrigo Taves
Blog da Amazônia Selvagem, 12/12/2008 - oglobo.globo.com/blogs/amazonia