Paz aos indígenas

Autor: 
Dom Geraldo Lyno Rocha
Data de publicação: 
16/05/2008
Fonte: 
O Globo

Superando várias dificuldades, no final de março o governo federal iniciou as ações administrativas em apoio aos povos macuxi, wapichana, taurepang, ingarikó e patamona, que tradicionalmente ocupam a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), no Nordeste de Roraima.

Buscava-se criar condições adequadas para garantir aos povos indígenas o direito constitucional à posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e nos lagos na área demarcada no ano de 1998 e homologada em 2005.
Deve-se lembrar que, por expressa disposição constitucional, as terras indígenas são bens da União, destinadas exclusivamente aos índios que as ocupam tradicionalmente. No entanto, fatores econômicos e políticos podem ter suscitado preocupações aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que, no exercício legal de seu poder judicial de cautela, resolveram suspender as ações administrativas adotadas pela União que implicavam a retirada de não-índios.

Com efeito, as questões que atualmente permeiam os debates na imprensa e no Poder Judiciário são situadas nos seguintes aspectos: o interesse econômico particular sobre a terra indígena; o interesse político-administrativo do estado de Roraima, com um tipo de desenvolvimento econômico de uma região do estado; e preocupações com a segurança da Região Norte do país, em razão da localização da terra indígena na faixa de fronteira.
O primeiro desses aspectos é destacado por fazendeiros, que desenvolvem suas atividades em extensos trechos de terra indígena. São ocupações não legais, porquanto desrespeitam o artigo 231 da Constituição Federal, que assegura aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas terras que tradicionalmente ocupam, considerando nulos os efeitos de quaisquer atos que visem à posse, à ocupação ou ao domínio dessas terras.

O segundo aspecto, que está relacionado às preocupações de autoridades do governo de Roraima e de parlamentares com o desenvolvimento do estado, tende a ser solucionado com a adoção de medidas sustentáveis de estímulo ao desenvolvimento da região, respeitando e sabendo lidar com a riqueza das terras indígenas demarcadas.
Por fim, quanto às legítimas preocupações em relação à defesa da integridade da fronteira pelas Forças Armadas, é necessário reiterar que as terras indígenas são bens da União.
Os indígenas são cidadãos e cidadãs brasileiros e devem ser respeitados e apoiados pelos órgãos estatais e pela sociedade brasileira.

D. Geraldo Lyrio Rocha é arcebispo de Mariana (MG) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

O Globo, 16/05/2008, Opinião, p. 7.