O desembargador Marcus Faver, que assume hoje, em Brasília, a presidência do Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, considera que o conflito de terras entre índios e arrozeiros na Raposa Serra do Sol "coloca em risco o território brasileiro". "O Exército tem estudos de que há interesses internacionais de transformar essa área em território ianomâmi", disse, acrescentando que ONGs têm interesse em mineração na região.
O senador roraimense Romero Jucá (PMDB), líder do governo no Senado, procura encontrar uma fórmula que garanta a permanência dos produtores de arroz na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR). Uma das alternativas estudadas por ele seria um acordo com os índios. Eles autorizariam a continuidade da rizicultura, em troca de uma porcentagem da produção ou uma taxa fixa, a ser destinada à comunidade indígena. Com essa fórmula, o senador procura evitar um confronto direto com o presidente Lula e o ministro da Justiça, Tarso Genro.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirma que lutará para desocupar a da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, hoje invadida por arrozeiros. "É um equívoco a visão de que seis arrozeiros podem desconstituir um trabalho de maturação que atravessou diversos governos", diz em entrevista. O ministro afirma que não há margem para dúvida nesse caso: "A terra indígena integra o patrimônio da União. E a União entra e sai dela quando quer". Tarso disse que compartilha da preocupação do general Heleno a respeito da atuação das ONGs.
Para o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional da UFRJ, os conflitos na Terra Indígena Raposa Serra do Sol são a prova do insuperável estranhamento que ainda temos em relação aos índios. Em entrevista, Viveiros de Castro afirma que os indígenas não podem ser vistos como ameaça à soberania nacional. Ao contrário, entende que eles contribuem com a soberania. Atribui tanta polêmica ao alto grau de desinformação em torno das reservas existentes no País. "As terras não são dos índios, mas da União. Eles têm o usufruto, o que é bem diferente.
O preconceito racial contra os índios está passando por uma fase de recrudescimento, segundo o presidente da Funai, o historiador Márcio Meira. Um dos principais fatores para a mudança seria a expansão econômica, especialmente do agronegócio, em direção às regiões do sertão brasileiro, onde vivem os índios. De acordo com Meira, ainda impera no País uma visão de progresso segundo a qual tudo que impede o seu avanço deve ser destruído.
O presidente Lula tentou encerrar sábado a polêmica desencadeada pelas críticas feitas pelo general Augusto Heleno à política indigenista do governo - que o general definiu como caótica e lamentável. "O assunto está superado", disse Lula. Na sexta-feira, o presidente ordenou que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, censurasse em particular o general e recomendasse silêncio sobre o assunto. Para evitar repercussões nos quartéis, não foi aplicada nenhuma repreensão pública ao general.
"Muita gente diz que há muita terra para pouco índio. Essa questão é a principal fonte de discriminação e de negação dos direitos dos povos indígenas. É o ranço do pensamento colonialista. Se o princípio da multiculturalidade é a possibilidade de convivência harmoniosa ou tolerante entre diversas culturas e etnias, então é preciso admitir as diversas formas de vida dos povos e das culturas. Querer que os povos indígenas vivam em terras minúsculas ou em apartamentos como os não-índios nos centros urbanos é querer que sejam extintos, que deixem de existir.
O sertanista Sydney Possuelo diz em entrevista que as declarações do general Augusto Heleno sobre a política indigenista "caótica" brasileira refletem uma postura que ressurge toda vez que o Estado quer cumprir a lei a favor dos povos indígenas. "Os militares com essa questão de segurança nacional, as pessoas do agronegócio, que se unem também aos garimpeiros. Essas forças se somam para negar aos povos indígenas o direito que eles têm".