PARECER
A CONSULTA
O CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA-CIR, por sua advogada, JOÊNIA BATISTA CARVALHO, pretendendo um parecer jurídico, narra que existem diversas ações em andamento no Supremo Tribunal Federal relativas à demarcação da TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. Com a expedição do Decreto 1775/96, a terra que já estava delimitada desde 1993, foi colocada em contestação administrativa. O Estado de Roraima, o Município de Normandia, fazendeiros e até uma mineradora apresentaram 46 contestações, todas rechaçadas pelo Ministro da Justiça, através do Despacho UM nº 80/96. O Ministro Nélson Jobim, contudo, determinou à FUNAI “ajustes” que excluíam áreas tituladas pelo INCRA, vilas, sedes municipais e fruição indígena sobre as vias públicas. Por carecer de base legal e sobre forte oposição de lideranças indígenas o Despacho não foi cumprido. O processo administrativo foi submetido à pareceres jurídicos do Ministério Público Federal, da Advocacia Geral da União, do Ministério das Defesa sobre a questão da demarcação em faixa de fronteira. Ouvidos todos os possíveis interessados, não restando dúvida sob a ocupação tradicional dos índios e a harmonia entre princípios constitucionais, o Ministro da Justiça assinou a Portaria MJ nº 820, DOU, de 14.11.1998, que declarou a terra como posse permanente indígena.
O Governo de Roraima, porém, impetrou um Mandado de Segurança, em que foi deferida uma liminar que suspendia parcialmente os efeitos daquela Portaria., impedindo a homologação da demarcação e adiando a conclusão do processo de reconhecimento da terra indígena.
Em abril de 2005, o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, assinou a Portaria nº 534, revogando a Portaria nº 820/1998, que havia estabelecido a demarcação da terra indígena e estava sendo questionada judicialmente. Em seguida, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto de homologação da questionada terra indígena. Isso só foi possível porque logo após a assinatura da nova Portaria o Supremo Tribunal Federal extinguiu, por decisão unânime de seu Plenário, todos os processos e as liminares que questionavam a referida demarcação baseada na Portaria anterior.
Apesar do Decreto de homologação da demarcação, foram concedidas medidas liminares pela Justiça Federal de primeira instância em Roraima, que impediam a continuação da retirada de ocupantes não-índios pela FUNAI. Em junho de 2006, por decisão majoritária, o STF se considerou competente para julgar todas as ações que questionem a demarcação da terra indígena, estancando as liminares concedidas que impediam a finalização da retirada dos não-índios e avocando para si competência exclusiva sobre a matéria (Reclamações 3331, 3813 e 2833).
Assim sinteticamente exposta a questão, a consulente apresenta a sua consulta mediante os seguintes quesitos:
1) A localização e extensão de uma terra indígena são determinadas segundo critérios de oportunidade e conveniência do Poder Público? Pode a União, em função de questões de cunho econômico e político, diminuir ou dividir o território de ocupação tradicional? A Constituição de 1988 admite, na demarcação de térreas indígenas, a criação de “ilhas” permeadas por áreas não-indígenas, ou o sistema de demarcação nela previsto só pode ser de forma contínua?
2) Há risco para a soberania do País no caso de demarcação de terras indígenas em faixa de fronteira? Há incompatibilidade entre a defesa do território e a demarcação de terras indígenas de ocupação tradicional? Existe alguma restrição constitucional ou legal para a atuação das Forças Armadas nas terras indígenas demarcadas em faixa de fronteira?
3) A existência de terras indígenas em Roraima, onde ocupam 46% do território estadual, compromete a existência do ente federado? Há conflito federativo nesse caso?
A resposta a esses quesitos da consulta demanda considerações teóricas sobre os direitos constitucionais indígenas, sobretudo sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, sua destinação e sua natureza, assim como o direito à sua demarcação tal como ocupadas.
1. Evolução da proteção constitucional dos índios
1. Embora a definição constitucional dos direitos indígenas seja coisa recente, a verdade é que o direito dos índios foi reconhecido e perfeitamente firmado durante o período colonial por meio de diversos alvarás, cartas régias e provisões expedidas pelos monarcas portugueses, de que dá notícia João Mendes Júnior. Mas é certo que esses direitos reconhecidos quase nunca foram respeitados pelos colonizadores, porque não havia aqui uma corte de justiça que lhe garantisse, tal como, aliás, aconteceu também nos EUA, onde apenas depois da formação de sua Federação é que se começou a reconhecer e a proteger os direitos indígenas, inclusive por decisões da Corte Suprema norte-americana. Foi ainda no período colonial que se criou o primeiro texto legal que fundamentou o direito dos índios especialmente sobre as terras por eles tradicionalmente ocupadas, qual seja o Alvará de 1º de abril de 1680, que reconheceu o direito de posse permanente das terras ocupadas pelos índios, o indigenato. A Lei de 6.6.1775 também ao determinar que, na concessão de sesmarias, se respeitassem o direito dos índios, primários e naturais senhores das terras por eles ocupadas.
2. A Constituição do Império, não obstante, nada dispôs sobre os direitos indígenas, mas o art. 11, § 5º, do Ato Adicional que importou diversas modificações nela reconheceu a competência da Assembléia Geral e do Governo Geral para promover a catequese e a civilização dos indígenas, ao conferir às Assembléias Provinciais igual competência. A Constituição Republicana de 1891 também nada de específico dispôs sobre os direitos dos índios. Isso não quer dizer que eles fossem desprovidos de qualquer direito. Ao contrário, tinham, no mínimo, os mesmos direitos de todos os demais brasileiros, incluindo direitos sobre as terras por eles tradicionalmente ocupadas, simplesmente porque o indigenato estava em vigor, porque fora recepcionado pela Constituição Imperial e assim também pela Constituição de 1891. Mas esta última trouxe um dispositivo que gerou alguma controvérsia e até alguma conseqüência não autorizada. Referimo-nos ao art. 64 que declarou pertencer aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção de território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estadas de ferro federais. Diante desse dispositivo, alguns Estados, tendo como devolutas as terras ocupadas pelos índios, começaram a estabelecer disposições sobre legitimação de posse, reconhecimento de domínio, discriminações das terras possuídas que as abrangiam. Com certeza não havia boa fé nesses procedimentos, porque terras ocupadas pelos índios certamente não eram devolutas. João Mendes Júnior o demonstrou nos termos seguintes:
“Aos Estados ficaram as terras devolutas; ora, as terras do indigenato, sendo terras congenitamente possuídas,não são devolutas, isto é, são originariamente reservadas, na forma do Alvará de 1º de Abril de 1680 e por dedução da própria Lei de 1850 e do art. 24, § 1º, do Decr. De 1854; as terras reservadas para o colonato de indígenas passaram a ser sujeitas às mesmas regras que as concedidas para o colonato de imigrantes,...”
3. Constituição de 1934 deu competência privativa à União para legislar sobre a “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional”, o que, em última análise, abrange todas as questões indígenas. O mais importante, contudo, é que ela acolheu expressamente o indigenato, em seu art. 29: “Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se acham permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”. Pondes de Miranda comentou esse dispositivo, sem muita profundidade. Afirmou entre outras coisas: “Desde que há a posse e a localização permanente, a terra é do nativo, porque assim o quis a Constituição... “ Não atentou para o fato de que a Constituição estava acolhendo, expressamente, o indigenato, e assim mesmo não o fez com a desenvoltura necessária, ou seja, a posse dos índios sobre as terras por eles tradicionalmente ocupadas tinha que ser respeitadas por força do indigenato. É que, não fosse assim, seria possível sustentar que antes da Constituição de 1934 a posse não seria válida.
A Constituição de 1946 (arts. 5º, XV, “r”, e 216) reafirmou aqueles dispositivos tal como enunciados na de 1934. Pontes de Miranda manteve os comentários anteriores, mas fez acréscimos importantes, entre os quais é de se destacar o constante do n. 4:
“São nenhuns quaisquer títulos, ainda registrados, contra a posse de silvícolas, ainda que anterior à Constituição de 1934, se à data da promulgação havia tal posse” , reconhecendo, nesta última cláusula, que os direitos consagrados já existiam antes desta Constituição.
Themístocles Brandão Cavalcanti também o comenta nestes termos:
“A Constituição Assegura aqui o uti possidetis [na verdade, o indigenato] das terras ocupadas pelos índios, com a condição de que a não transfiram. É o reconhecimento da posse imemorial dos donos da terra, dos sucessores daqueles que primeiro a povoaram e que, até hoje, ainda não se incorporaram aos hábitos e aos costumes da civilização colonizadora”.
Também Sampaio Dória comentou esse art. 216:
“São os conquistadores que, até certo ponto, se penitenciam da espoliação cometida”.
“Os silvícolas são descendentes dos senhores das terras que o Governo de Portugal doou a súditos seus em capitanias hereditárias, para que as explorassem. Os donos das terras, os silvícolas, foram sacrificados pelos invasores. Cada vez mais se internavam pelas florestas a dentro dos sertões sem horizontes”.
Carlos Maximiliano foi incisivo:
“Governos estaduais concederam título de domínio de terras públicas ocupadas por indígenas; espertalhões compraram-nas por irrisórias quantias e expulsaram os ingênuos silvícolas”.
A propósito desses dispositivos e de seus comentários, Manuela Carneiro da Cunha escreveu justamente o seguinte:
“O ponto importante nos textos que precedem e que deve ser aqui salientado é que se trata do reconhecimento da posse imemorial dos índios, de seus títulos anteriores aos de quaisquer outros ocupantes, e não uma proteção transitória, apenas assegurada aos índios enquanto o exigisse seu estado de vulnerabilidade. Ou seja, pela facilidade com que podem ser lesados, os índios são protegidos pela tutela. Mas seus direitos à terra independem claramente dessa tutela, na medida em que são fundamentados na sua condição de seus primeiros donos. É o que fica claro nos comentários que Themístocles Cavalcanti, o futuro autor do Estatuto do índio (Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973), faz sobre o artigo da Constituição de 1946” [supra].
4. A Constituição de 1967 deu um passo à frente na abrangência do indigenato, dispondo, no art. 4º, IV, que as terras ocupadas pelos silvícolas se incluem entre os bens da União, definindo, assim, sua natureza de terras públicas; no art. 8º, letra “o”, que é da competência da União legislar sobre incorporação dos silvícolas à comunhão nacional, com a velha idéia de impor a eles uma cultura não indígena; e, finalmente, no art. 186, se assegura a eles a posse permanente das terras que habitam e reconhece o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes.Pontes de Miranda repete a base de seus comentários anteriores com os acréscimos decorrentes das novas disposições do artigo, mas, ainda aqui, tratou a posse dos índios como posse de direito comum, sem ter em mente a lição de João Mendes Júnior de que não se trata disso, mas do indigenato. Enfim o art. 198 da Constituição de 1969 repetiu o que vinha sendo expresso nas constituições anteriores e acrescentou dois parágrafos, acolhendo a lição de Pontes de Miranda, ao declarar a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tivessem por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas, sem direito à indenização. Sobre esse dispositivo manifestamo-nos amplamente em termos já dos princípios do indigenato, que examinaremos mais adiante.
5. Finalmente, veio a Constituição de 1988 que incorporou esses princípios no seu art. 231. Abandonou a tese da incorporação dos índios à comunhão nacional, até porque reconhece sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Nesses dispositivos da Constituição de 1988 é que vamos buscar os fundamentos deste parecer, sem entrar aqui nas controvérsias fáticas que têm emocionado os debates da questão da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
2. Terras tradicionalmente ocupadas pelos índios
6. Este é um tema de que já nos ocupamos diversas vezes em artigos e obras publicadas, de sorte que aqui vamos apenas reproduzir uma síntese desses estudos, até para que se saiba que a doutrina sustentada neste parecer não foi construída para o caso que lhe constitui o objeto, porque se trata de doutrina que o autor já defendeu na vigência da Constituição de 1969 e que vem reafirmando e ampliando ao longo desses vinte anos de vigência da Constituição de 1988.
7. A questão da terra se transformara no ponto central dos direitos constitucionais dos índios, pois, para eles, ela tem um valor de sobrevivência física e cultural. Não se amparará seus direitos se não se lhes assegurar a posse permanente e a riqueza das terras por eles tradicionalmente ocupadas. Por isso mesmo, foi um dos temas mais difíceis e controvertidos na elaboração da Constituição de 1988, que buscou cercar de todas as garantias esse direito fundamental dos índios. Da Constituição se extrai que, sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, incidem os direitos de propriedade e os direitos originários, sujeitos a delimitações e vínculos que decorrem de suas normas.
Declara-se, em primeiro lugar, que essas terras são bens da União (art. 20, XI). A outorga constitucional dessas terras ao domínio da União visa precipuamente preservá-las e manter o vínculo que se acha embutido na norma, quando fala que são bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, ou seja, cria-se aí uma propriedade vinculada ou propriedade reservada com o fim de garantir os direitos dos índios sobre ela. Por isso, são terras inalienáveis e indisponíveis e, os direitos sobre ela, imprescritíveis.
São terras vinculadas ao cumprimento dos direitos indígenas sobre elas, reconhecidos pela Constituição como direitos originários (art. 231), que, assim, consagra uma relação jurídica fundada no instituto do indigenato, como fonte primária e congênita da posse territorial, consubstanciada no art. 231, § 2º, quando estatui que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Disso também é que deriva o princípio da irremovibilidade dos índios de suas terras, previsto no § 5º do art. 231, só admitida a remoção ad referendo do Congresso Nacional e apenas no caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. Dali igualmente provêm as limitações a respeito de mineração nessas terras e a invalidade de atos contrários à efetividade dos direitos indígenas sobre elas.
De fato, consoante dispõe o art. 231, § 6º, são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando, a nulidade e a extinção, direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. A exceção final, quanto às benfeitorias, não autoriza ações e pedido de indenização contra os índios, pois não são acionáveis, mas apenas contra a União a que cabe velar e impedir a prática de atos atentatórios aos direitos dos índios sobre as terras por eles ocupadas, que são bens dela.
8. Como visto acima, são bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (art. 20, XI). São reconhecidos aos índios os direitos originários sobre essas terras, que se destinam à sua posse permanente (art. 231, § 1º). Essa reiteração constitucional requer conceituação que defina as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Terras tradicionalmente ocupadas não revela, segundo o texto constitucional, uma relação temporal. Se recorrermos ao Alvará de 1º de abril de 1680 que reconhecia aos índios as terras, onde estavam, tal qual as terras que ocupavam no sertão, veremos que a expressão ocupadas tradicionalmente não significa ocupação imemorial, naquele sentido de prescrição imemorial. Não se trata, absolutamente, de posse ou prescrição imemorial, como se a ocupação indígena nesta se legitimasse, e dela se originassem seus direitos sobre as terras, como uma forma de usucapião imemorial, do qual é que emanariam os direitos dos índios sobre as terras por eles ocupadas, porque isso, além do mais, é incompatível com o reconhecimento constitucional dos direitos originários sobre elas.
Nem tradicionalmente nem posse permanente são empregados em função de usucapião imemorial em favor dos índios, como eventual título substantivo que prevaleça sobre títulos anteriores. Primeiro, porque não há títulos anteriores a seus direitos originários. Segundo, porque usucapião é modo de aquisição da propriedade e esta não se imputa aos índios, mas à União a outro título. Terceiro, porque os direitos dos índios sobre suas terras assentam em outra fonte: o indigenato (infra).
O tradicionalmente refere-se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos em que se deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se realiza segundo seus usos, costumes e tradições.
9. Vimos antes que os dispositivos constitucionais sobre a relação dos índios com suas terras e o reconhecimento de seus direito originários sobre elas nada mais fizeram do que consagrar e consolidar o indigenato, direito à reserva fundado no Alvará de 1º de abril de 1680, que não foi revogado, direito esse que jamais poderá ser confundido com uma posse sujeita à legitimação e registro. O indigenato não se confunde com a ocupação nem a mera posse. É fonte primária e congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a ocupação é título adquirido. O indigenato é legítimo por si, “não é um fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que a legitimem... O indigenato, primariamente estabelecido, tem a sedum positio, que constitui o fundamento da posse, segundo o conhecido texto do jurisconsulto Paulo (Dig. Titul, de acq vel. Amittr. Possess., L. 1), a que se refere Savigny, Molitor, Mainz e outros romanistas; mas o indigenato, alem desse ius possessionis, tem o ius possidendi, que já lhe é reconhecido e preliminarmente legitimado, desde o Alvará de 1º de abril de 1680, como direito congênito”. Só a posse por ocupação está sujeita a legitimação, porque, “como título de aquisição, só pode ter por objeto as coisas que nunca tiveram dono, ou que foram abandonadas por seu antigo dono. A ocupação é uma apprehensio rei nullis ou rei derelictae...; por outra, não se concebe que os índios tivessem adquirido, por simples ocupação, aquilo que lhe é congênito e primário”, de sorte que, em face do Direito Constitucional indigenista, relativamente aos índios com habitação permanente, não há uma simples posse, mas um reconhecido direito originário e preliminarmente reservada a eles.
Acrescenta ainda João Mendes Júnior que “as terras do indigenato, sendo terras congenitamente possuídas, na forma do Alvará de 1º de abril de 1680 e por dedução da própria Lei de 1850 e do art. 24, § 1º, do Decreto de 18454”.
Essas considerações, só por si, mostram que a relação entre o indígena e suas terras não se rege pelas normas do direito civil. Sua posse extrapola da órbita puramente privada, porque não é e nunca foi uma simples ocupação da terra para explorá-la, mas base de seu habitat, no sentido ecológico de interação do conjunto de elementos naturais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida humana. Esse tipo de relação não pode encontrar agasalho nas limitações individualistas do direito privado, daí a importância do texto constitucional em vigor, porque nele se consagra a idéia de permanência, essencial à relação do índio com as terras que tradicionalmente ocupa.
10. As considerações acima nos conduzem ao problema da posse permanente das terras habitadas pelos índios. A Constituição tem duas cláusulas sobre isso, referindo-se a terras habitadas permanentemente pelos índios e terras que se destinam à sua posse permanente (art.231, §§ 1º e 2º).
A posse das terras ocupadas tradicionalmente pelos índios não é simples posse regulada pelo direito civil; não é a posse como simples poder de fato sobre a coisa, para sua guarda e uso, com ou sem ânimo de tê-la como própria. É, em substância, aquela possessio ab origine que, no início, para os romanos, estava na consciência do antigo povo, e era não a relação material de homem com a coisa, mas um poder, um senhorio. Por isso, é que João Mendes Júnior lembra que a relação do indígena com suas terras não era apenas um ius possessionis, mas também um ius possidendi, porque ela revela também o direito que têm seus titulares de possuir a coisa, com o caráter de relação jurídica legítima e utilização imediata. Podemos dizer que é uma posse como habitat no sentido visto antes.
Essa idéia está consagrada na Constituição, quando considera as terras habitadas, segundo os usos, costumes e tradições dos índios. Daí a idéia essencial de permanência, explicitada pela norma constitucional.
Quando a Constituição declara que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se destinam à sua posse permanente, isso não significa um pressuposto do passado como ocupação efetiva, mas, especialmente, uma garantia para o futuro, no sentido de que essas terras inalienáveis e indisponíveis são destinadas, para sempre, ao seu habitat. Se se destinam (destinar significa apontar para o futuro) à posse permanente é porque um direito sobre elas preexiste à posse mesma, e é o direito originário já mencionado.
O reconhecimento do direito dos índios ou comunidades indígenas à posse permanente das terras por eles ocupadas, nos termos do art. 231, §§ 1º e 2º, da Constituição independe de sua demarcação, e cabe ser assegurada pelo órgão federal competente, atendendo à situação atual e ao consenso histórico.
3. Natureza da demarcação das terras indígenas
11. Foi o art. 19 do Estatuto do Índio (Lei 201, de 19.12.1973), que determinou essa demarcação, nos termos seguintes:
“As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo”.
O art. 65 do Estatuto estabeleceu, por sua vez, que o Poder Executivo deveria fazer, no prazo de cinco anos, a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas.
O órgão de assistência ao índio, referido na lei, hoje é a FUNAI – Fundação Nacional do Índio, criada em 1967, pela Lei 5.371, de 5.12.1967, em substituição ao Serviço de Proteção ao Índio, o SPI, criado em 1910 e, assim, dissolvido em 1967, que, de fato, tomou a iniciativa para cumprir aquele dispositivo, mas poucas terras indígenas foram efetivamente demarcadas, não tendo sido, pois, cumprido o prazo determinado no mencionado art. 65 do Estatuto. Por essa razão se inseriu, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição, o art. 67, determinando que a União concluísse a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da sua promulgação. Mas nem isso também foi cumprido. Basta ver que a FUNAI iniciou o processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em 1977 que só foi concluído em 2005 pela Portaria 534 do Ministro da Justiça e conseqüente homologação pelo Presidente da República.
12. O processo da demarcação era previsto no Decreto 22/1991, agora consta do Decreto 1.775, de 8.1.1996, segundo o qual a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida, que elaborará, no prazo determinado, estudo antropológico de identificação, incumbindo-se um grupo técnico especializado, coordenado por antropólogo, dos estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessário à delimitação das terras. Concluídos os trabalhos de identificação e delimitação, o grupo técnico apresentará relatório circunstanciado ao órgão federal de assistência ao índio, caracterizando a terra indígena a ser demarcada. Aprovado o relatório pelo Presidente da FUNAI, este fará publicar, no prazo de quinze dias, resumo do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área, devendo a publicação ser também fixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.
13. Esse processo administrativo de demarcação é contraditório, porque, desde o seu início até noventa dias após a publicação do relatório do grupo técnico, referida acima, poderão os Estados e Municípios em que se localizar a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando à FUNAI razões devidamente instruídas com todas as provas pertinentes, para o fim de demonstrar vícios do relatório, ou para o fim de pleitear indenização. Findo o referido prazo de noventa dias, a FUNAI, nos sessenta dias subseqüentes, encaminhará o respectivo procedimento ao Ministro da Justiça, juntamente com pareceres relativos às razões e provas apresentadas, e o Ministro, após o recebimento do procedimento, decidirá em até trinta dias:
“I – declarando, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação”:
“II – prescrevendo todas as diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias;
“III – desaprovando a identificação e retornando os autos ao órgão federal de assistência ao índio [FUNAI], mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no §1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes”.
Esse processo foi praticado na identificação e delimitação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mas o Ministro da Justiça, julgando improcedentes as razões e provas do Estado de Roraima, dos Municípios e demais interessado, baixou a Portaria 534, de abril de 2005, pela qual declarou os limites daquela terra e determinou sua demarcação; demarcação essa que, em seguida, foi homologado por decreto do Presidente da República.
14. Com a demarcação devidamente homologada, deu-se também por certo que o procedimento atendeu integralmente o disposto no § 1º do art. 231 da Constituição, ou seja, reconheceu que aquelas são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e que são, assim, terras por eles habitadas em caráter permanente, e são utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Com isso também foram reconhecidos os direitos originários daqueles índios sobre aquelas terras, e, assim, com a demarcação, a União cumpriu parte do que também determina o caput do mesmo art. 231, restando agora dar cumprimento à cláusula final desse dispositivo, qual seja proteger e fazer respeitar todos os bens relativamente aos índios e às terras demarcadas.
15. Como visto, os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são reconhecidos diretamente pela Constituição, independentemente da demarcação de suas terras. Isso significa que o reconhecimento constitucional tem o sentido de afirmar que, presentes os elementos necessários para definir determinada porção de terra como indígena (quais sejam aqueles estabelecidos pelo § 1º do art. 231), o direito dos índios e de comunidade indígena que a ocupa, existe e se legitima independentemente do ato demarcatório. Vale dizer, como afirma Raimundo Sérgio Barros Leitão:
“A demarcação de uma terra indígena, fruto do reconhecimento feito pelo Estado, portanto, é ato meramente declaratório, cujo objetivo é simplesmente precisar a real extensão da posse para assegurar a plena eficácia do dispositivo constitucional, que impõe ao Estado a obrigação de protegê-la”.
16. Disso decorre, insofismavelmente, o princípio da continuidade. A Constituição mesma é que fornece as bases dessa continuidade. Pois, se nos termos do art. 231 os índios têm direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam e se essas terras são aquelas por eles habitadas permanentemente, e utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seus bem-estar e necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, o que se refere não a circunstância temporal, como vimos, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos em que se deslocam, impõem continuidade, de sorte que a demarcação tem que respeitá-la, porque uma demarcação fragmentada, ou em ilhas, será um desrespeito a essas exigências constitucionais.
Se não-índios invadiram essas terras, quebrando-lhes a continuidade, formando áreas de ocupação não-indígena, isso significa usurpação dos direitos originários dos índios contra as normas constitucionais que os reconhece. Logo, admitir uma demarcação que ressalve essas “ilhas” usurpatórias o mesmo é que praticar um ato inconstitucional e nulo. Primeiro, porque essas usurpações, se aceitas no processo demarcatório, constituem formas de aquisição de terras inalienáveis e indisponíveis, conforme dispõe o § 4º do art. 231 da Constituição. Segundo, porque essas inserções são atos que têm por objeto a ocupação, o domínio e a posse daquelas terras, por não-índio, pelo que, nos termos do § 5º do art. 231, são atos nulos, extintos, que não produzem efeitos jurídicos. Terceiro, porque as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, conforme o art. 231 e seus §§ 1º e 2º, são bens do domínio da União, ou seja, são terras públicas, não devolutas, porque têm destino específico, e, por isso, não podem ser objeto de apropriação por via de ocupação, já que os direitos sobre elas – dos índios e da União – são imprescritíveis, o mesmo é dizer, não são usucapíveis, portanto, por aí também, se reafirma que são inserções, ocupações ou usurpações nula e sem nenhum efeito, e muito menos podem condicionar a fragmentação das terras indígenas.
17. Tudo isso mostra que a localização e a extensão de uma terra indígena não é determinada por critérios de oportunidade e conveniência do Poder Público. A demarcação é um ato declaratório e, como tal, está vinculado aos critérios constitucionalmente estabelecidos no art. 231 e seus §§ 1º e 2º. Por ser simples ato declaratório tem que cobrir o conteúdo do objeto reconhecido, não podendo a União, por esse ato – a demarcação –, diminuir ou dividir as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, sob pena de incidir em grave inconstitucionalidade e nulidades.
18. Em suma, as terras reconhecidas como tradicionalmente ocupadas pelos índios têm que ser demarcadas na sua integridade e continuidade. A Constituição abeberou-se na experiência para assim estabelecer, pois, antes dela, houve demarcação de terras indígenas em ilhas que causou terríveis danos aos índios, destruindo-os praticamente, como se deu com os guaranis de Mato Grosso do Sul. A Constituição, por isso, fechou essa possibilidade, porque se compreendeu que admiti-la seria sujeitar as terras indígenas a novas invasões ilegítimas que depois seriam, assim mesmo, invocadas para formação de ilhas em seu favor. Repita-se: a Constituição não mais permite isso, porque as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios hão de ser total e continuamente demarcadas.
Sobre este tema, é importante ter em mente uma passagem referente ao Parque Xingu, transcrito por Gilmar Mendes como elemento de convicção onde se sustenta a necessidade da obediência ao princípio da continuidade:
“Esta conformidade cultural das populações xinguanas impõe um modo particular de observar seus problemas: a necessidade de encará-los em seu conjunto [g.n.]. Fraccionar a região que hoje ocupam coletivamente, em territórios particulares, isolados por faixas que seriam ocupadas mais tarde por estranhos, seria destruída uma das bases do sistema adaptativo daqueles índios e condená-los ao aniquilamento”.
Aí está expressiva condenação do sistema de “ilhas”, de sorte que, apresentando tal texto, como instrução da contestação da União, por ele subscrita e aprovada pelo então Procurador Geral da República, depois, como ele, Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Paulo de Sepúlveda Pertence, é de supor que Gilmar Mendes também não compartilha da opinião daqueles que pleiteiam tal sistema.
4. Direitos indígenas e soberania nacional
19. O inc. I do art. 1º da Constituição inscreve a soberania como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Como disse em obra publicada: “A soberania não precisava ser mencionada, porque ela é fundamento do próprio conceito de ‘Estado’.” Enfim, a soberania nacional é um valor fundamental do Estado brasileiro, independentemente de sua previsão constitucional, simplesmente porque é um elemento essencial ao próprio conceito de Estado. Por isso deve ser garantida a qualquer preço.
Para isso a Constituição estabelece algumas regras. Em primeiro lugar, inclui entre os bens da União as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras (art. 20, II). O § 2º do mesmo artigo completa essa disposição, porque indica qual a faixa de terras devolutas é tida como indispensável a essa defesa:
“A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada faixa de fronteira [g.n.], é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”.
Outro dispositivo pertinente é o inc. III do § 1º do art. 91 da Constituição que dá competência ao Conselho para:
“propor critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira [g.n.] e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo”.
20. Aqueles que se opõem à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol vêem conflito entre essas normas de defesa da faixa de fronteiras e o art. 231 da Constituição que assegura o direito originário dos índios sobre as terras tradicionalmente ocupadas por eles e impõem à União o dever de protegê-los e fazê-los respeitados. Argumentando que a demarcação importa na “perda de soberania nacional, quer pela impossibilidade de acesso de militares na região, seja pelo amplo acesso de ONGs internacionais, o que se revelaria perigoso em se tratando de terra de fronteira”.
Diversos autores já demonstraram a improcedência desses argumentos. Vou ater-me, porém, a apresentar os argumentos do ilustre Procurador da República, Dr. Aurélio Virgílio Veiga Rios, desenvolvidos em um artigo, publicado muito antes das controvérsias sobre a Raposa Serra do Sol, ou seja, em 1993. Mostra em primeiro lugar que o mapa etnográfico brasileiro revela que, do Oiapoque-AP ao Chuí/RS, há dezenas de grupos indígenas pertencentes aos mais diferentes troncos lingüísticos que habitam as faixas de fronteiras desde tempos imemoriais. Em seguida, depois de expor a normatividade constitucional sobre os dois temas, parte ele do princípio da unidade da Constituição, para concluir pela inexistência de conflito entre os dois sistemas de proteção constantes dos arts. 20, II, IX, § 2º, e 231.
“Assim, é necessário dar às normas constitucionais em aparente conflito conteúdo integrador para conferir-lhes plena eficácia, sem a exclusão de nenhum bem juridicamente protegido, de modo a garantir a harmonia e a concordância prática entre elas. Para tal tarefa a própria Constituição cuidou de mostrar os meios pelos quais se pode resolver a delicada equação: direitos originários dos índios sobre as terras ocupadas na faixa de fronteiras versus proteção das fronteiras, consideradas áreas indispensáveis à defesa do território nacional.
“No caso, constata-se que não há conflito entre os dispositivos constitucionais que protegem igualmente os dois bens jurídicos aqui referidos. Trata-se, na verdade, de dupla afetação imposta à área indígena situada na faixa de fronteiras, por ser ela bem de domínio exclusivo da União pelos dois fundamentos constitucionais.
“Portanto, não é correto impedir a posse permanente dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sob o frágil argumento de que estas estariam em área de Segurança Nacional, imprescindível à defesa do País.
“Do mesmo modo, não aprece aceitável o argumento em sentido contrário de que as Forças Armadas estariam, em princípio, impedidas de fiscalizarem as faixas de fronteiras ou de implantar novos batalhões de fronteira pelo fato de lá haver ocupação tradicional de povos indígenas.
......................................................................................................................................
“Considerando esses aspectos, não se pode permitir que a ocupação militar e econômica da faixa de fronteira, visando a proteção do território nacional, seja feita de modo a excluir os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, em afronta direta à Constituição Federal, que determina à União federal demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 231, caput)”.
Vale a pena ainda ter em mente uma passagem de Jânio de Freitas que bem coloca as coisas e os fatos:
“A oposição do Exército considera que a reserva expõe a fronteira a invasões e à perda de soberania do Brasil sobre parte do seu território. Se o único trecho da fronteira norte, para não falar das fronteiras oeste e noroeste, aberto a invasores fosse o correspondente a Raposa/Serra do Sol, ainda assim o argumento seria frágil. Porque o Brasil não cede sua soberania ao conceder uma reserva indígena, assim como não o faz com reservas florestais e marinhas. Reservas não impedem nem desobrigam as Forças Armadas de zelarem, como possam, pelas fronteiras e pelo território. Não têm podido muito, ou têm podido muito pouco, mas não por causa de reservas próximas ou em fronteiras.
“Uma reserva é menos fechada à entrada de militares do que as inúmeras propriedades privadas, inclusive estrangeiras, que percorrem o território brasileiro nas fronteiras. E não são vistas como portas abertas a invasões. Não são habitadas por indígenas. Há propriedades fundiárias, mesmo estrangeiras, que ocupam município. Não são áreas indígenas. Então, não há problema de descontinuidade territorial, de soberania, de tamanho da área – não há problema, ponto. Há 500 anos”.
21. Na verdade, toda essa questão de fronteiras e risco à soberania nacional não passa de racionalização, que é, como se sabe, o uso de argumentos e justificações ponderáveis e emocionais para desqualificar atos ou procedimentos, contra os quais não se encontra raciocínio legítimo e com força suficiente para desfazê-los. Pois, essa questão das fronteiras e da defesa da soberania nacional já está resolvida legalmente, por força do Decreto 4.412, de 7.1.2002 que precisamente dispõe sobre a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras indígenas.
Segundo disposição o decreto, no exercício de atribuições constitucionais e legais das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras tradicionalmente ocupadas por indígenas estão compreendidas: I – a liberdade de trânsito e acesso, por via aquática, aérea ou terrestre, de militares e polícias para a realização de deslocamentos, estacionamentos, patrulhamento e demais operações ou atividades relacionadas à segurança e integridade do território nacional, à garantia da lei e da ordem e à segurança pública; II – a instalação e manutenção de unidades militares e policiais, de equipamentos para fiscalização e apoio à navegação aérea e marítima, bem como das vias de acesso e demais medidas de infra-estrutura e logística necessárias; III – a implantação de programas e projetos de controle e proteção da fronteira (art. 1º, ipsis litteris). E o art. 2º e seu parágrafo único estatuem que as Forças Armadas, por meio do Ministério da Defesa, e a Polícia Federal, por meio do Ministério da Justiça, ressalvada a hipótese prevista no art. 3º-A deste decreto, deverão encaminhar previamente à Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional plano de trabalho relativo à instalação de unidades militares e policiais, referido no inc. II do art. 1º, com as especificações seguintes (Redação dada pelo Decreto nº 6.513, de 2008): I – localização; II – justificativa; III – construções, com indicação da área a ser edificada; IV – período, em se tratando de instalações temporárias; V – contingente ou efetivo. A Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional poderá solicitar manifestação da FUNAI acerca de eventuais impactos em relação às comunidades indígenas das localidades objeto das instalações militares e policiais. Essas providências junto à Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional e da FUNAI são dispensadas no caso do art. 3º-A, assim redigido:
“O Comando do Exército deverá instalar unidades militares permanentes, além das já existentes, nas terras indígenas situadas em faixa de fronteira, conforme plano de trabalho pelo Como do Exército e submetido pelo Ministério da Defesa à aprovação do Presidente da República (Incluído pelo Decreto nº 6.513, de 2008)”.
É certo e correto que as Forças Armadas e a Polícia Federal, nesses casos, devem adotar medidas de proteção da vida e do patrimônio do índio e de sua comunidade, de respeito aos usos, costumes e tradições indígenas e de superação de eventuais situações de conflito ou tensão envolvendo índios ou grupos de índios (art. 3º).
São normas de comando preciso, diante das quais é de se espantar que ainda se questionem a questão da segurança nacional e a defesa da faixa de fronteiras em terras tradicionalmente ocupadas por índios. Elas são eficazes desde que seus destinatários, Forças Armadas e Polícia Federal, queiram atendê-las, pois não há nenhuma dificuldade de acesso de militares nessas áreas, pois, desde que seja para o exercício de suas atribuições constitucionais e legais, o art. 1º, inc. I, do decreto assegura a liberdade de trânsito e de acesso às terras indígenas, demarcadas ou não, para as operações e atividades relacionadas à segurança e à integridade do território nacional, assim como para garantir a lei, a ordem e a segurança.
Ademais, os índios nunca deram sinal de oposição à soberania nacional nem à defesa da fronteira. Márcio Santilli ilustra bem essa questão, “ao instar o governo e a sociedade brasileira a olharem os povos indígenas que vivem na faixa de fronteiras como aliados, e não obstáculos [g.n.], apoiando-se para tanto, na memória histórica muitas vezes convenientemente esquecida. Assim é que afirma:
“O caso de Roraima é emblemático. Os Ingaricó, Macuxi e Wapixana vivem na região de fronteira entre o Brasil e a Guiana desde tempos imemoriais. Etnias aparentadas, elas estão em área contíguas situadas na Guiana e na Venezuela. É fartíssima a documentação histórica disponível sobre a presença destes povos desde que se iniciou o processo de colonização.
“Quando, há cem anos, se deram as difíceis negociações internacionais para a definição deste trecho da fronteira, a presença destes povos e as manifestações de lealdade dos seus chefes ao Estado brasileiro foram elementos importantes para que a região de Raposa-Serra do Sol, então chamada de ‘área do contestado’, integrasse o território nacional, enquanto as pretensões territoriais da Grã-Bretanha estendiam-se até o rio Cotingo. Joaquim Nabuco, em seu livro O Direito do Brasil, registra essa passagem”.
22. Argúi-se também que o amplo acesso de ONGs internacionais se revela perigoso em se tratando de terra de fronteira. Essa é uma velha questão denunciada amplamente por Osny Duarte Pereira, na década de cinqüenta, num livro sobre a desnacionalização da Amazônia que, entre outros escritos de posição nacionalista, foi uma das razões de sua aposentadoria no cargo de magistrado e da suspensão de seus direitos políticos. Naquela época não existia o conceito de ONG. Era missões, ou comissões científicas, ou grupos de estrangeiros que entravam na Amazônia com o pretexto, verdadeiro ou falso, de exercer pesquisas ou promover catequese religiosa. Osny Duarte Pereira transcreve relatório subscrito pelo Diretor do então Serviço de Proteção ao Índio –SPI, um coronel do Exército, respeitado, que, como general, se tornou um nome de relevo no regime militar, Cel. depois Gen. José Luiz Guedes que, por sua vez, se refere à denúncia do Major Gerson de Oliveira. Basta a seguinte passagem:
“Mesmo que não se leve em conta a possibilidade – afirmada por muitos – de que entre esses missionário existem geólogos e outros especialistas, que, dissolvendo-se no ambiente favorável criado no local pelo trabalho místico feito em boa-fé pelos verdadeiros religiosos, vasculham a estrutura geológica da região, procurando localizar jazimentos minerais com significado econômico, não podemos esconder nosso receio diante das atividades desse homens porque delas germina, nos habitantes da região, o espírito de desnacionalização da Amazônia, o que, aliás, já é facilmente perceptível”.
O relatório alertava que, pelo tipo de vida que levavam, pelo conforto que desfrutavam e pelo equipamento que possuíam, levava seu autor a concluir que contavam com poderosa cobertura financeira [externa evidentemente].
Essas missões, como as ONGs atuais, sequer entravam e entram clandestinamente no território nacional. As autoridades é que lhes fornecem a documentação necessária ao ingresso naquelas regiões sensíveis. Se essas ONGs constituem, como se alega, um perigo para a nossa soberania e a segurança da faixa de fronteiras, o modo de coibir isso não pode ser tolhendo os direitos dos índios, mas exercendo a vigilância adequada para que tais ONGs, ou não ingressem no território nacional, se inconvenientes, ou não exerçam atividades na faixa de fronteiras. Restringir os direitos dos índios, em razão delas, será inconstitucional, e, por si, não impede seu ingresso e atividades, sem uma providência limitativa a elas, e não àqueles direitos constitucionalmente estabelecidos e garantidos.
5. Direitos indígenas e federalismo
23. Outro argumento contra a demarcação, no caso da Raposa Serra do Sol, é o de que ela torna inviável o Estado de Roraima. Alega-se que o fato de a área indígena demarcada ocupar 46% do território estadual compromete aquela unidade federada, sustentando-se que, nesse caso, existe um conflito federativo.
24. Estamos diante de uma questão de fato e uma questão de direito. O fato é que a ocupação indígena ali é imemorial, preexiste à própria existência do Estado; na verdade, a ocupação tradicional dessas terras pelos índios, assim como o indigenato, precede à própria Federação. O direito é que sobre essas terras tradicionalmente ocupadas incide o direito originário dos índios e o dever da União de demarcá-las, protegê-las e fazê-las respeitadas (art. 231 da Constituição).
25. Não foi, portanto, a demarcação que constituiu essas questões. A demarcação não constitui nada, não cria nem extingue direitos, reconhece apenas a situação de fato e o direito correspondente, limitando-se, pois, a definir sua extensão, depois de um processo de levantamento antropológico, etnográfico e geográfico da área tradicionalmente ocupada. A demarcação é, assim, um dos modos pelos quais a União cumpre o seu dever de proteger e fazer respeitar os direitos dos índios sobre as terras por eles tradicionalmente ocupadas. Como visto, é ato puramente declaratório, de mero reconhecimento de fatos, sobre os quais incide os direitos constitucionais dos índios. É ato irreversível enquanto os fatos permanecerem tais como são. E os fatos não podem ser modificados por ninguém, nem pela União, já que os índios não podem ser removidos de suas terras, a não ser em caso excepcionalíssimo, garantido, assim mesmo, seu retorno, assim que cesse o motivo da remoção (Constituição, art. 231, § 5º). A rigor, nem o Poder Judiciário poderá modificar essa demarcação feita de acordo com a Constituição, salvo vício formal, porque seria interferir no mérito de ato administrativo. Só o abandono espontâneo e definitivo por parte da comunidade indígena ou grupo tribal pode modificar a situação, assim mesmo as terras ocupadas reintegrar-se-ão no domínio pleno da União. Em verdade, essas terras nunca integraram o patrimônio do Estado-membro, como bem acentua Gilmar Mendes.
26. Não há conflito federativo, porque a demarcação não caracteriza intervenção da União nos negócios do Estado, simplesmente porque apenas reconhece uma situação de fato e de direito preexistente. Alega-se que a demarcação concede aos vários grupos indígenas uma área maior do que a necessária, correspondente a cerca de 46% do território do Estado, tornando inviável a existência deste. Washington Novaes dá boa resposta a essa alegação: “um dos argumentos centrais invocados pelos que se opõem à demarcação é o de que estaria sendo concedida aos vários grupos indígenas uma área ‘descabida’. E com isso cerca de 46% do território de Roraima, de 230,1 mil km², ficaria em poder de índios. Argumento difícil de se sustentar quando se lembra que os indígenas ocuparam ‘tradicionalmente’ (como pede a Constituição para reconhecer seu direito às terras) todo o território daquela unidade da Federação. E mesmo que ocupem agora 46%, o restante – mais de 120 mil km² não-índios – será superior, por exemplo, ao território do Estado de Pernambuco (98,2 km²), onde vivem 7,91 milhões de pessoas, 24 vezes mais que a população total de Roraima, de 324,3 mil. E, destes, 247 mil vivem em áreas urbanas; nas rurais, apenas 77,3 mil”.
27. Quando se pleiteou a transformação do Território Federal de Roraima em Estado-federado, já se sabia que aquelas terras eram ocupadas tradicionalmente pelos índios. Portanto, já se tinha ali uma situação imemorial que teria que ser respeitada, até porque a mesma Constituição que concedeu a transformação pleiteada (art. 14 do ADCT) consolidou o princípio do indigenato que já se tinha configurado constitucionalmente desde a Constituição de 1934, como vimos. Não tem, pois, fundamento o questionamento que se vem fazendo sobre o tema. Demais, dizer que o Estado é inviável, porque 46% de sua área foi demarcada como terras tradicionalmente ocupadas pelos índios é desprezar o restante da área de um Estado promissor. Restante que é maior do que vários Estados brasileiros (Sergipe, Alagoas, Paraíba, Pernambuco, por exemplo) e que tem um potencial de desenvolvimento maior do que muitas outras áreas de outros Estados. Tudo isso mostra a improcedência desses argumentos que se opõem à demarcação, que, na verdade, apresentam questionamento de fato, meramente supostos e hipotéticos, que, sem base jurídica, não podem infirmar os fundamentos constitucionais que sustentam a medida.
28. É certo que o Estado tem limitações no que tange à área demarcada, por que se trata de terras de domínio da União, onde o Estado nada praticamente pode fazer. Mas não é novidade, porque, a rigor, o Estado também nada pode fazer nas grandes propriedades privadas do seu território.
Dizer que o Estado é inviável, por causa da demarcação da Terra Indígena Raposa do Sol, o mesmo é que dar argumento e fundamento para que o Estado volte à condição de Território, já que a demarcação é irreversível. O signatário deste parecer pensa o contrário, ou seja, que o Estado não só é viável, como pode dar ainda grande contribuição ao progresso do Brasil.
6. Respostas aos quesitos da Consulta
29. Diante de todo o exposto, podemos passar agora às respostas sintéticas aos quesitos da consulta como segue:
Ao 1º quesito
Não. A localização e extensão de uma terra indígena não é determinada segundo critérios de oportunidade e conveniência do Poder Público, porque o critério que define a localização e a extensão das terras é o da ocupação tradicional, ou seja, a demarcação tem que coincidir, precisamente, com as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, definidas cientificamente por via antropológica. A União não pode diminuir nem dividir o território de ocupação tradicional em função de questões de cunho econômico ou político, porque isso importará desrespeito à Constituição (art. 231). Em suma, as terras reconhecidas como tradicionalmente ocupadas pelos índios têm que ser demarcadas na sua integridade e continuidade. A Constituição abeberou-se na experiência para assim estabelecer, pois, antes dela, houve demarcação de terras indígenas em ilhas que causou terríveis danos aos índios, destruindo-os praticamente, como se deu com os guaranis de Mato Grosso do Sul. A Constituição, por isso, fechou essa possibilidade, porque se compreendeu que admiti-la seria sujeitar as terras indígenas a novas invasões ilegítimas que depois seriam, assim mesmo, invocadas para formação de ilhas em seu favor. Repita-se: a Constituição não mais permite isso, porque as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios hão de ser total e continuamente demarcadas.
Ao 2º quesito
Não. Não há risco algum para a soberania do País no caso de terras indígenas reconhecidas em faixa de fronteiras. A demarcação das terras, como dissemos, não muda em nada situação existente. Portanto, se não havia risco antes, continua não havendo. Pois, não há incompatibilidade alguma entre a defesa do território e a ocupação tradicional indígena, nem existe qualquer restrição constitucional ou legal para a atuação das Forças Armadas em território indígena, demarcado ou não, em faixa de fronteira. Ao contrário, existem normas claras e precisas assegurando o exercício de atribuições constitucionais e legais das Forças Armadas e da Polícia Federal nas terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, compreendidas: I – a liberdade de trânsito e acesso, por via aquática, aérea ou terrestre, de militares e polícias para a realização de deslocamentos, estacionamentos, patrulhamento e demais operações ou atividades relacionadas à segurança e integridade do território nacional, à garantia da lei e da ordem e à segurança pública; II – a instalação e manutenção de unidades militares e policiais, de equipamentos para fiscalização e apoio à navegação aérea e marítima, bem como das vias de acesso e demais medidas de infra-estrutura e logística necessárias; III – a implantação de programas e projetos de controle e proteção da fronteira (art. 1º, ipsis litteris). E o art. 2º e seu parágrafo único estatuem que as Forças Armadas, por meio do Ministério da Defesa, e a Polícia Federal, por meio do Ministério da Justiça, ressalvada a hipótese prevista no art. 3º-A deste decreto, deverão encaminhar previamente à Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional plano de trabalho relativo à instalação de unidades militares e policiais, referido no inc. II do art. 1º, com as especificações seguintes (Redação dada pelo Decreto nº 6.513, de 2008): I – localização; II – justificativa; III – construções, com indicação da área a ser edificada; IV – período, em se tratando de instalações temporárias; V – contingente ou efetivo. A Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional poderá solicitar manifestação da FUNAI acerca de eventuais impactos em relação às comunidades indígenas das localidades objeto das instalações militares e policiais. Essas providências junto à Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional e da FUNAI são dispensadas no caso do art. 3º-A, assim redigido:
“O Comando do Exército deverá instalar unidades militares permanentes, além das já existentes, nas terras indígenas situadas em faixa de fronteira, conforme plano de trabalho pelo Como do Exército e submetido pelo Ministério da Defesa à aprovação do Presidente da República (Incluído pelo Decreto nº 6.513, de 2008)”.
Ao 3º quesito
Não. A existência de terras indignas em Roraima, onde ocupam 46% do território estadual, não compromete a existência do ente federado. Primeiro, porque essa situação já existia antes da criação do Estado de Roraima, senão antes mesmo da formação da Federação brasileira; se os índios já ocupavam tradicionalmente aquelas terras, e a Constituição lhes garantia e garante a posse permanente, como terras de domínio da União, essa é uma circunstância de fato e de direito que não comporta solução diversa da que teve, qualquer que seja suas conseqüências em relação àquela unidade federada. Na verdade, não compromete a existência do Estado porque os demais 54%, cerca de 120 km², tem grande potencial econômico e comporta muito bem a sua população de 324,3 mil habitantes, que dá uma densidade demográfica baixíssima, em torno de 0,57 hab/km². A área restante ainda é maior do que diversos Estados brasileiros: Sergipe (21.910 km²), Alagoas (27.767 km²), Paraíba (56.439 km²),quase quatro vezes mais que a Bélgica, de sorte que ainda se tem um enorme potencial econômico que, bem administrado, pode realizar o progresso do Estado. Dizer que o Estado é inviável, por causa da demarcação da Terra Indígena Raposa do Sol, o mesmo é que dar argumento e fundamento para que o Estado volte à condição de Território. O signatário deste parecer pensa o contrário, ou seja, que o Estado não só é viável, como pode dar ainda grande contribuição ao progresso do Brasil. É certo que o Estado sofre muita restrição no que tange à área demarcada, por que se trata de terras de domínio da União, onde o Estado nada praticamente pode fazer. Mas não é novidade, porque, a rigor, o Estado também nada pode fazer nas grandes propriedades privadas do seu território.
É o nosso parecer.
São Paulo, 30 de julho de 2008
José Afonso da Silva
OAB/SP 13.417
RG 1.410.813-6
CPF 032.588. 748-91