A demarcação contínua e excludente da reserva indígena Raposa Serra do Sol em Roraima tem gerado grandes discussões em todos os segmentos da sociedade. Além de se tratar de uma área com quase 2 milhões de hectares, maior que o estado de Sergipe, onde vivem pouco mais de 10 mil índios completamente integrados à sociedade, a questão na Raposa Serra do Sol é muito mais complexa, pois está em uma área de fronteira com a Venezuela e com a Guiana, países que têm conflito territorial justamente onde se
localiza a referida área indígena.
Em seu discurso de posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, o ministro Gilmar Mendes afirmou que às demandas da sociedade “a Corte tem respondido, demonstrando profundo compromisso com a realização dos direitos fundamentais”. No caso da histórica demanda dos povos da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol (RR), o discurso do ministro soou descompassado com a realidade.
É lamentável ver a maioria dos nossos representantes (senadores, deputados federais, deputados estaduais e outros representantes) concentrarem todo o esforço para apoiar a permanência dos arrozeiros na Terra Indígena Raposa Serra do Sol junto ao quarto poder (mídia local).
Enquanto o Congresso não votar o Estatuto dos Índios, que nele dormita há muitos anos, não saberemos o que a maioria dos brasileiros quer sobre a política indígenista. Ainda ao meu tempo de oficial, servindo na Amazônia, vi um processo de aculturação das tribos macus e tucanos, que os padres salesianos alfabetizavam e profissionalizavam. Considerável número deles fez carreira na Aeronáutica, não para a guerra, mas para as finalidades meio.
"Descobri que também eu era índio quando encontrei os ianomâmis. Tive depois profunda piedade ao ver a que lastimável abandono condenamos esses nossos irmãos brasileiros: sem alimentos, sem remédios, entregues à violência de garimpeiros e bandidos."
O que está em disputa na Raposa Serra do Sol não é a fronteira nacional, mas a última fronteira do agronegócio no Brasil. O suposto risco à soberania só faz sentido como estratégia de desinformação, pois o conflito acontece na terra indígena mais bem resguardada de toda a fronteira amazônica. Neste caso, o que está sendo alvo de cobiça é a região dos campos naturais de Roraima, bola da vez para a cana, arroz, soja e celulose, bem à porta do mercado consumidor venezuelano e sem as restrições impostas ao plantio na floresta. Antes de mais nada, é preciso lembrar que na época do “integrar para não entregar”, na década de 70, a preocupação com a soberania abriu caminho para um modelo de ocupação e desenvolvimento que fez o Brasil perder quinze por cento da Amazônia para o desmatamento. Agora, estamos prestes a fazer algo parecido, fragmentando terras indígenas para abrigar o desenvolvimento. Isto significa repetir os erros do passado, usando a defesa da soberania para legitimar estratégias que, na verdade, acabam por comprometê-la.
Superando várias dificuldades, no final de março o governo federal iniciou as ações administrativas em apoio aos povos macuxi, wapichana, taurepang, ingarikó e patamona, que tradicionalmente ocupam a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), no Nordeste de Roraima.
Buscava-se criar condições adequadas para garantir aos povos indígenas o direito constitucional à posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e nos lagos na área demarcada no ano de 1998 e homologada em 2005.
Os acontecimentos que vêm ocorrendo na terra indígena Raposa Serra do Sol lembram o que aprendi na Escola Militar, na teoria e na prática sobre siderurgia. Fui testemunha da primeira corrida de ferro gusa da Siderúrgica Nacional, de Volta Redonda: no início surgem as borras, para então vir o ferro gusa puro. Penso que as discussões, que são justas quando se trata de opiniões divergentes, não podem enveredar pela borra do radicalismo e da intransigência emocional. Lastimo, por isso, as injustiças que se fazem ao calor da desinteligência.
É um clima bem conhecido em sua formação e nas tendências possíveis, cuja última presença, bastante abrandada e silenciosa, deu-se durante a veloz fermentação que levou ao afastamento de Collor. Já há quem faça a ponderação (ou advertência?) de que, em caso de decisão do Supremo Tribunal Federal favorável à reserva indígena Raposa/Serra do Sol como homologada por Lula, será muito "mal recebida no Exército" -velha expressão de um só sentido em sua longa fase de uso.
Nos últimos dias, o Brasil urbano dos jornais e da televisão foi invadido por duas cidades de nome esquisito: Anapu, no Pará, e Pacaraima, em Roraima. A primeira foi o cenário da absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do assassinato da religiosa americana Dorothy Stang.