A raposa e o galinheiro

Autor: 
Jessé Souza
Data de publicação: 
06/05/2008
Fonte: 
Folha de Boa Vista

No sábado, ligo a televisão e lá estão duas deputadas tricoteando o mantra Raposa Serra do Sol, o qual já conseguiu anestesiar a opinião pública roraimense. Inclusive uma delas envolvida no "caso dos gafanhotos", o grande esquema de desvio de dinheiro público da folha de pagamento do Estado.

Para os leigos, explico: mantra é uma fórmula encantatória que tem o poder de materializar a divindade invocada. Há tempos, eles e elas invocam a Raposa Serra do Sol e os índios como os grandes problemas de Roraima, incutindo isso na cabeça da população.

Já tentaram outros mantras que não deram certo. Quiseram materializar a idéia apocalíptica de que a realização de concursos públicos e demissão de não-concursados iriam provocar a tragédia de Roraima. Não colou.

Não só os concursos públicos começaram a mudar o perfil do Estado, como também os demitidos não morreram de fome, não se tornaram bandidos nem entraram para a lista dos miseráveis.

Outros falsos mantras foram invocados. Disseram que o fechamento dos garimpos e a demarcação da reserva yanomami iriam fazer Roraima sumir do mapa. Continuamos por aqui.

Pregaram que a demissão da Polícia Civil não-concursada e a instituição da Polícia Civil concursada iriam transformar os policiais demitidos e revoltados em bandidos. É como se desemprego autorizasse alguém a se tornar bandido. Com exceção dos que já estavam envolvidos em bandidagem, o falso mantra não se concretizou.

Os principais problemas de Roraima são outros, mas acabam sendo encobertos por falsos mantras. Basta um empresário qualquer, disposto a investir em Roraima, vir pela BR-174 a partir de Manaus (AM) que tomará um choque de realidade.

Quando chegar do lado roraimense, vai perceber que nosso desenvolvimento é uma piada e que a política praticada por aqui é um desastre. A BR-174 tornou-se o símbolo da incompetência política roraimense e o retrato fiel do descaso com o bem público. Quem vai querer investir em um Estado que sequer cuida do seu cordão umbilical, a BR-174?

Se conseguir chegar inteiro em Boa Vista, o mesmo empresário perceberá a falta de um projeto de desenvolvimento, encontrará empresas de fachadas e vai se deparar com o coronelismo político de fazer inveja a Hugo Chávez, que não conseguiu se eternizar no poder.

Queria que o ministro da Cultura, Gilberto Gil, em sua vinda por aqui, perguntasse aos políticos que estavam à mesa: "Quem aqui compra arte para sua casa? Quem aqui já realizou ou promoveu um salão de arte? Quem aqui já fez alguma intervenção para construir um teatro de verdade?". Ninguém.

Eles não investem em arte e cultura, não ligam para a estrada, põe as famílias na fila do vale, jogam empresas ao relento (e investem nas deles comandadas por testas-de-ferro), não estão nem aí para projeto de desenvolvimento e, se bobear, enfiam a mão nos cofres públicos.

A culpa disso tudo? Os índios e a Raposa Serra do Sol. Nunca dizem que a culpa está em outra raposa: a que toma conta do galinheiro.

Jornalista - jesse@folhabv.com.br

Folha de Boa Vista, 06/05/2008, Opinião.