Carta das Comunidades Indígenas

Data de publicação: 
28/04/2008
Fonte: 
Conselho Indígena de Roraima (CIR)

TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL
A nossa mãe, a nossa vida, o nosso futuro

CARTA DAS COMUNIDADES INDÍGENAS

Senhores Autoridades Brasileira,

Nós comunidades indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, após três anos de homologação da nossa terra, muito embora termos sofrido violentas agressões ao longo de 30 anos de luta, nunca reagimos com violência, pois, em nós corre o sangue do povo verdadeiramente brasileiro e jamais descendente de algum povo estrangeiro.

Lutamos e temos sobrevivido a todo tipo de massacre, inclusive na ditadura militar, ou melhor, em plena ditadura fomos nós indígenas que cuidamos da “Pátria Amada Brasil”. Assim consolidamos de uma vez por todas que não fomos não somos e jamais seremos risco a soberania do nosso país, porque nós somos anfitriões desde a sua invasão há 500 anos atrás e passado de geração a geração.

Senhores e Senhoras é verdade, que tivemos aguardando a boa vontade do governo brasileiro seja do poder executivo, do poder legislativo ou poder judiciário, durante três anos a consolidação da desintrusão da nossa terra e assim ter de volta nossa liberdade e dignidade para que possamos viver em paz. Como sabem na historia da colonização do Brasil, os povos indígenas nunca aceitaram viver ou trabalhar como escravo, pois até hoje, após esses 500 anos, nós vivemos com nossas culturas e modo de viver diferente. “NÓS NÃO QUEREMOS VIVER ESCRAVIZADOS” pelos invasores de nossa terra, assim vimos esclarecer:

Contribuição na Economia do Estado de Roraima e do Brasil

A afirmação de que a retirada dos seis rizicultores-invasores da nossa terra iria afetar a economia do Estado não é verdadeira, pois é de conhecimento público que estes invasores são isentos do pagamento de impostos ao estado de Roraima até 2018 por serem beneficiados com a lei estadual N.º 215/98, alterada pela lei N.º 282/01 e atualizada pela lei N.º 399 de dezembro de 2003. Outra inverdade é o argumento de que estes invasores geram muitos empregos quando na verdade os trabalhos realizados nas lavouras são mecanizados e a utilização de mão de obra é muito pequena.

Por outro lado, nós povos indígenas da RSS com uma população de 18.992 indígenas, ao contrário do que é alardeado nos meios de comunicação do estado de Roraima, contribuímos muito para o desenvolvimento sócio ambiental sustentável do Estado e do Brasil, mesmo sem qualquer incentivo dos governos municipal e estadual.

Na terra indígena RSS tem trezentos professores indígenas trabalhando em nossas escolas indígenas, quatrocentos e vinte agentes indígenas de saúde, trinta e cinco mil cabeças de gado, aproximadamente duzentos e cinquenta aposentados e mais de quinhentos indígenas que recebem benefícios do governo federal, além da nossa produção na agricultura, piscicultura e criações de porcos, galinha e carneiro. Dessa forma, os povos indígenas gastam em média 1 milhão de reais por mês, no comercio das cidades. Somando todos os serviços ambientais, sociais, culturais, turismo e ecológico, contribuímos muito com o desenvolvimento sócio ambiental e sustentável do Estado de Roraima, ou seja, essas riquezas estão em Roraima, e a tendência é aumentar.

Já os seis rizicultores - invasores, além de não contribuírem para o crescimento econômico do estado, já que são isentos do pagamento de impostos, estão explorando ilegalmente as terras indígenas, enriquecendo as nossas custas e degradando nosso meio ambiente. Não vamos mais permitir isso, pois não é justo seis pessoas ficarem ricas à custa do sofrimento de 18.992 indígenas, que ocupam apenas 7% das terras do Estado.

Soberania Nacional

A demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol não traz qualquer perigo a Soberania Nacional, pois conforme estabelece a Constituição Federal as terras indígenas são patrimônio da União e destinam-se a posse permanente dos povos indígenas cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

Assim nós povos indígenas, queremos dizer ao povo brasileiro e autoridades, que fomos e estamos sendo discriminados frente a sociedade, com a visão de sermos ameaça a soberania nacional. Mas isto não é verdade porque terra indígena, como dito anteriormente é patrimônio da União e na Raposa Serra do Sol, existem três pelotões do exercito localizados na sede de Normandia, 6º PEF em Uiramuta e 3º PEF na sede de Pacaraima, não havendo portanto qualquer perigo ou ameaça a soberania nacional..

Desta forma, queremos reafirmar que nós confiamos e serviremos a “Pátria Amada Brasil”, somos brasileiros e nunca levantamos nenhuma duvida quanto a isto, nem se quer discutimos esse assunto, uma vez que fomos as muralhas na colonização da Amazônia Brasileira. Agora achamos que é injusto as pessoas dizerem que somos risco a soberania nacional, ao pronunciarem isso, estão nos discriminando, ou melhor, estão cometendo crime de racismo e ao continuarem com estas acusações estão incitando crime de racismo, por isso acreditamos que estão conspirando contra a Republica Federativa do Brasil, como tal deverão ser trados ao rigor da Lei. Sabemos que não é só os povos indígenas que residem em faixa de fronteiras, mas não entendemos por que somos perseguidos, num estado democrático.

Processo da Raposa Serra do Sol

No ano de 1992, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, foi reconhecida e delimitada pela Funai, tendo assim, os primeiros atos administrativos jurídicos reconhecidos, após a Constituição de 1988. Porém um ano depois se intensificaram atos de invasão, com a chegada de vários invasores, inclusive, do gaúcho Paulo César Quartiero, e outros que , com a finalidade de explorar monocultura de arroz, deram inicio a grande destruição da nossa área de preservação e conservação da caça, pesca e outras, que servia para nossa sobrevivência física e cultural. Deixando assim, muitas comunidades privadas do exercício de suas culturas.

Em 1998 e 2005, a portaria de demarcação foi editada e finalmente em 15 de abril de 2005, foi assinado pelo Presidente da Republica o decreto de homologação da RSS e em seguida registrado no Serviço de Patrimônio da União e no cartório de registros de imóveis. Ficou estabelecido o prazo de um ano para que todos os não-índios fossem desintrusados.

O governo federal passou três anos tentando negociar a retirada dos rizicultores-invasores de forma pacífica, mas eles não aceitaram nenhuma proposta. Com o anuncio da operação “ Upatakon 3”, foram feitas várias ações violentas, de terrorismos, queima de pontes, bloqueio de pontes, explosões de bombas artesanais, tentativas de homicídios contra lideranças indígenas e outros atos nocivos a nossa população liderado pelo invasor de nossa terra, Paulo César Quartiero.

O governador de Roraima, Anchieta, ingressou com uma ação no STF solicitando a suspensão da operação Upatakom 3. Ficamos preocupados, quando o Governador defendeu a continuidade dos invasores na nossa terra nos massacrando pois ao interpor recurso no Supremo Tribunal Federal, o mesmo preferiu ver o “ Índio sofrendo” e ter em sua mesa arroz de invasor da terra indígena. O STF concedeu liminar suspendendo a operação até o julgamento do mérito da ação contra a demarcação da RSS.

Apesar da grande revolta com a suspensão da Operação Upatakom 3 não reagimos com violência, pois acreditamos na justiça e que o STF foi influenciado pelos meios de comunicação, mas que ao analisar com calma o processo vai rever sua decisão. A Constituição Federal garantiu os direitos originários e a imprescritibilidade às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios – o direito às terras indígenas é originário e, portanto, antecedente às ocupações não-indigenas. O poder público tem o dever constitucional de demarcar e proteger as terras indígenas e, por força do § 6º do artigo 231 da CF, considerar nulos todos e quaisquer atos que tenham por objeto o domínio, a ocupação ou a posse dessas terras por não índios. Acreditamos que o Supremo Tribunal Federal vai respeitar a Constituição Federal do Brasil e que o direito coletivo constitucional está acima dos direitos e interesses econômico de alguns.

Queremos ter oportunidade de cultivar e oferecer nossos produtos, pois só acreditamos em desenvolvimento de um estado, quando todos produzem e têm o mesmo tratamento por parte do poder público. Lamentamos que os pequenos produtores não tenham a mesma oportunidade que os grileiros têm. Não é a toa que o estado de Roraima é conhecido nacionalmente por corrupção dos políticos e discriminação contra os povos indígenas.

Face ao exposto, as comunidades indígenas, amparadas na Constituição Federal, Convenção 169 da OIT e Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, reivindicam:

1 – Que o decreto presidencial seja mantido, a fim de garantir nossos direitos constitucionais e a vida cultural das comunidades indígenas e de suas lideranças;
2 – Que STF, ao analisar as ações respeite o que determina a Constituição Federal, e que não deixe duvidas que a RSS é de uso exclusivo dos povos indígenas;
3 – Que o poder econômico e político que tanto massacrou os povos indígenas não prevaleçam.
4 – Que os direitos dos povos indígenas sejam tratados com respeito e não como objeto de troca.
5 – Que a partir dessa data (28.04.2008), estamos DECLARANDO, o invasor Paulo César Quartieiro, nocivo e perigoso a nossa população, uma vez que o mesmo liderou atos terroristas em recente mobilização dentro de nossa terra e consideramos sua presença como ameaça as nossas comunidades. Como não foi obedecido o prazo de 48 horas estabelecido pelas comunidades para que o mesmo saísse da área sem problema, estamos exigindo o cumprimento do o artigo 5º da Portaria do MJ nº 534 de 13 de abril de 2005 que proíbe o ingresso, o transito e a permanência de pessoas ou grupos de não-indios dentro de nossa terra sem a nossa autorização. Vale lembrar que nossa terra já foi demarcada homologada e registrada no cartório de imóveis de Boa Vista.

NÃO ACEITAMOS A REDUÇÃO DA RAPOSA SERRA DO SOL. SOMOS LUTADORES E JAMAIS DESISTIREMOS!

Terra Indígena Raposa Serra do Sol, 28 de abril de 2008

Assinam as comunidades da Terra Indígena Raposa Serra do Sol