Na última quarta-feira, quando Joênia Carvalho Wapichana subiu à tribuna do Supremo Tribunal Federal para defender a demarcação contínua da reserva Raposa/Serra do Sol, senti um grande orgulho do Brasil.
Pensei no caminho percorrido até Joênia, primeira advogada índia a fazer uma defesa oral no Supremo, assumir simbolicamente o pleno lugar dos indígenas na nossa identidade.
Apesar de séculos de erros e de violência, que quase levaram ao extermínio de nossas populações originais, estamos no rumo certo. Só faltava assumi-lo de vez, e o relatório consistente, contundente e bem informado do ministro Carlos Ayres Britto, um marco na mediação do Estado em questões de terras indígenas, o fez por nós, com muita grandeza. Depois dele, não há como não entender as razões para assegurar aos índios seus territórios originários. Por outro lado, será difícil argumentar a favor da pretensão de assimilá-los à força, para atender a interesses circunstanciais.
Naquela sala podia-se ver o recorte bom de um Brasil democrático, em que as partes de um conflito de mais de 30 anos submetiam-se à Justiça para dirimi-lo, em vez de apelar a desmandos de terra sem lei.
Não há, por enquanto, vitória de nenhum dos lados. Ambos devem se empenhar para evitar um clima de confronto ou provocações que tentem instalar o caos com o objetivo de pressionar o julgamento.
Aliás, fazê-las seria um equívoco, revelador da dificuldade de perceber o patamar de qualidade estabelecido pelo relator, para aquém do qual ninguém poderá mais recuar.
Seu voto não foi contra uma das partes, foi em favor de um conceito de nacionalidade, no qual cabe toda a diversidade de que somos formados e o respeito devido a cada uma das partes que a compõem.
Saí do STF sentindo-me parte de um país maduro, mas visto não a partir da madurez do fruto. É um amadurecimento pela raiz. A raiz fincada na terra que alimenta e dá segurança. Não é à toa que os índios são uma de nossas raízes, assim como não deve ser à toa que nossa dificuldade para aceitá-los como parte de nós mesmos se expresse quase sempre em disputas pela terra.
É um engano pensar que poderemos sobreviver à destruição de nossas raízes. Basta olhar a triste e pobre periferia das cidades, retratos da desagregação e da humilhação social e cultural de nossas raízes negras e índias. Os descendentes dos desterritorializados originais. Ainda bem que começamos a entender que a determinação de mudar este destino de injustiças nos faz, a todos, brasileiros melhores e pessoas mais conciliadas com sua condição humana.
Marina Silva
FSP, 01/09/2008, Opinião, p. A2.