Sem medo da polêmica

Entrevistado: 
Gilmar Mendes
Autor: 
Luiz Carlos Azevedo e Denise Rothemburg
Data de publicação: 
14/12/2008
Fonte: 
CB

Nesta entrevista, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, fala da agenda do STF, repleta de casos polêmicos, um dos quais está em andamento, a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Há uma agenda polêmica no Supremo. Um dos temas é a demarcação das terras indígenas, com o caso Raposa Serra do Sol. O que há de novo nesse julgamento?

Existe o aspecto sensível da área cultivada da reserva. Mas também há os critérios de demarcação. Qual deveria ser o procedimento tendo em vista as questões que foram levantadas aqui, mas que se projetam sobre os casos que estão em andamento e até sobre as demarcações futuras? Nós tivemos um pouco essa resposta no voto proferido pelo ministro Carlos Alberto Direito, que já foi seguido até mesmo pelo relator, ministro Ayres Brito, e também por outros ministros. Então, nós temos essa orientação no sentido de que o estado e o município têm que participar desse processo, se eles estiverem entre as áreas afetadas e também as pessoas que forem afetadas devem participar dessas comissões. Elas devem ter algum tipo de representação. As áreas que já foram demarcadas não devem ser "redemarcadas". Porque nós temos esse processo contínuo no Brasil de a toda hora se retomar o processo de demarcação. Também se definiu o que as Forças Armadas podem ou não podem fazer nas áreas de fronteira. Elas não são submetidas à Funai, nem à vontade da comunidade indígena. E, no caso de dupla afetação de área ambiental e área indígena, preside a da área ambiental. Aquela declaração da ONU, tal como ela está - pelo menos na língua portuguesa, porque houve muita discussão sobre o significado dos termos em língua francesa, inglesa ou portuguesa-, não dá autonomia aos índios. Aquela declaração não nos afeta.

O Supremo não entrou numa tarefa que seria do Executivo e do Legislativo?

Essa história de o tribunal eventualmente usurpar competência ou assumir a competência de outro Poder nasce no mundo em 1803, com o célebre caso Marbury vs. Madison nos Estados Unidos. Desde então, há este debate: o tribunal está exorbitando ou não suas competências? O tribunal foi chamado para dirimir um sério conflito confederativo por um estado-membro que já sofrera uma série de déficits de eliminação de território com a demarcação de áreas indígenas e também de áreas ambientais, sem que fosse consultado, sem que participasse do processo. Essa é uma questão que não é só de Roraima, se projeta pelo Brasil afora. Então, o tribunal está aplicando a Constituição. A questão é mais complexa do que o capítulo que trata da área indígena. A Constituição tem como cláusula pétrea o princípio federativo.

CB, 14/12/2008, Política, p.8.