Neste item, sistematizamos e analisamos informação referente a experiências e pareceres relativos aos elementos implícitos nos processos de consulta sobre decisões administrativas de caráter específico em casos de atividades, obras ou projetos de exploração econômica ou de infra-estrutura, que são feitos diretamente pelo Estado ou contratados por este com particulares, sempre que tenham a capacidade de afetar os povos interessados.
Para discutir este assunto, é fundamental ter clareza sobre o conjunto de decisões legislativas e administrativas que acompanham a adoção, implementação e avaliação de um empreendimento, com o objetivo de identificar os diferentes momentos e interlocutores competentes para os processos de consulta, tanto com relação aos espaços de participação cidadã hoje existentes - como o são as audiências públicas no Congresso Nacional ou no processo de licenciamento ambiental - quanto para demandar novos espaços específicos e adequados, que possam garantir a participação efetiva dos povos. A proposta da Convenção sobre a consulta de medidas administrativas abrange mais que a discussão isolada de uma obra ou atividade econômica. Implica a possibilidade dos povos interessados de discutir prioridades de desenvolvimento econômico e social das regiões nas quais estão inseridos e que comprometem a vocação e o futuro de seus territórios e, portanto, deles mesmos, como sociedades diferenciadas. Pelas características especiais que compreende este tipo de processo de consulta prévia, a própria Convenção 169 da OIT complementa a cláusula geral definida no artigo 6o, com os artigos 7o e 15, que contemplam elementos relativos a participação efetiva dos povos na definição das prioridades de desenvolvimento, assim como da participação dos mesmos nos benefícios derivados dos empreendimentos autorizados dentro ou fora de seus territórios, sempre que sejam capazes de afetá-los.
Com relação à importância de compreender este contexto da consulta prévia sobre medidas administrativas relativas a empreendimentos econômicos, o Conselho de Administração da OIT tem manifestado o seguinte: “El Convenio no cubre solamente las áreas ocupadas por los pueblos indígenas, sino cubre “el proceso de desarrollo, en la medida en que éste afecte a sus vidas … y a las tierras que ocupan o utilizan de alguna manera” (véase artículo 7, inciso 1). La existencia de un proyecto de exploración o de explotación de proximidad inmediata con los linderos de las tierras que han sido reconocidos oficialmente como el resguardo de los pueblos interesados claramente está dentro del alcance del Convenio”.
Tendo sempre presente a dimensão acima colocada sobre a consulta prévia, como um instrumento de participação e influência efetiva dos povos sobre as opções de desenvolvimento econômico e social das regiões e países que compartilham, este item do especial está dividido em três partes. A primeira sistematiza algumas práticas incipientes de consulta prévia sobre empreendimentos realizadas no Brasil. A segunda parte propõe uma análise comparada sobre experiências de regulamentação da consulta prévia relativa a empreendimentos econômicos em países da América do Sul. A terceira e última parte compila os principais pronunciamentos das instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o Banco de Desenvolvimento Interamericano, com relação à consulta de povos indígenas e tribais quando se trata de empreendimentos por eles financiados.
Nas decisões administrativas de conteúdo particular, foram sistematizadas experiências referentes, principalmente, aos processos de licenciamento ambiental para exploração de recursos naturais ou construção de obras de infra-estrutura que afetam os povos interessados na Bolívia, Equador, Colômbia, Paraguai e Suriname. Os casos estão apresentados por meio de documentos oficiais da Organização Internacional do Trabalho e da Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH, a qual tem se manifestado especificamente sobre casos do Paraguai e Suriname relativos ao direito de consulta prévia. A CIDH fez uma interpretação integral dos instrumentos internacionais que protegem os direitos de povos indígenas e tribais na região, o que significa um complemento da obrigação de consulta para todos os Estados submetidos à sua jurisdição.
Com relação ao Brasil, apresentamos aqui a jurisprudência sobre o tema de consulta que começa a aparecer nos tribunais nacionais. São as decisões relativas ao processo de consulta prévia sobre a autorização da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a qual envolve decisões tanto administrativas quanto legislativas. Este é, por enquanto, o primeiro caso do qual se tem notícia nos tribunais federais do Brasil, que reivindica a aplicação do direito de consulta prévia sobre este tipo de decisão, que implica opções de desenvolvimento econômico nas quais estão diretamente envolvidos os povos interessados.
No item específico de decisões administrativas particulares, que necessariamente envolvem decisões públicas que autorizam grandes investimentos para exploração de recursos naturais e construção de infra-estrutura, é necessária uma sistematização de documentos, políticas e diretrizes produzidos pelas instituições financeiras internacionais. Estas instituições vêm incluindo entre suas regras de empréstimo a execução de consultas prévias com povos indígenas e tribais que possam ser afetados pelos projetos por elas financiados.
Nessa ordem de idéias, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) têm construído políticas operativas que regulamentam o entendimento destas instituições com relação ao que elas consideram um adequado processo de consulta prévia.
Entre os documentos sistematizados, estão casos de aplicação da política operativa 4.10 do Banco Mundial sobre consulta prévia com comunidades indígenas e quilombolas em Goiás e na Paraíba.
Finalmente é importante mencionar que no relativo à necessidade de realizar Estudos de Impacto dos empreendimentos que podem afeitar povos indígenas e tribais têm sido desenvolvidos padrões internacionais para a elaboração de estudos de impacto ambiental, social, cultural e econômico que valem a pena conhecer e divulgar como condições mínimas para a realização dos mencionados estudos.
Assim, as partes da Convenção sobre Diversidade Biológica decidiram desenvolver em cooperação com comunidades indígenas e locais, diretrizes para a realização de estudos de impacto ambiental, social, cultural e econômico de desenvolvimento de projetos a serem realizados em locais sagrados ou terras e águas tradicionalmente ocupadas ou utilizadas por comunidades indígenas e locais. As mencionadas diretrizes voluntárias contem os parâmetros mínimos que se consideram internacionalmente desejáveis para a realização deste tipo de estudos.
As mencionadas diretrizes foram denominadas de Akwe: Kon que é o nome de uma expressão do povo Mohawk, "Akwe: Kon", cujo significado é: "tudo na criação", para enfatizar a natureza holística do instrumento proposto.
As diretrizes Akwe: Kon terão que ser adaptadas a cada contexto e cada povo específico, mas representam um interessante padrão que pode ser útil na construção específica de diretrizes para cada caso. Acesse ao texto das Diretrizes Akwe: Kon ao final desta página.
Anexo | Tamanho |
---|---|
Diretrizes_AkweKon_es.pdf | 329.98 KB |
Reporte_James_Anaya_2011.pdf | 225.64 KB |
2010_ga_annual_report_sp_Direito ao Desenvolvimento.pdf | 213.16 KB |