O que é e o que não é o direito de Consulta Livre, Prévia e Informada

1. A consulta livre, prévia e informada na Convenção 169 da OIT

2. Sobre as decisões administrativas e legislativas objeto de consulta prévia

3. Sobre a aplicação e o exercício do direito de consulta livre, prévia e informada

3.1. Sobre o que definitivamente não pode ser considerado como consulta livre, prévia e informada

3.1.1. A consulta prévia não é simples informação

3.1.2. O direito de consulta prévia não pode ser compreendido como um evento

3.1.3. A consulta prévia não é sinônimo literal do conceito de participação

3.1.4. O Estado não pode delegar a execução do processo de consulta prévia a particulares

3.1.5. A consulta não é direito de veto, mas isso não significa ausência de poder vinculante

3.2. Algumas dicas para a execução de processos de consulta prévia

3.2.1.O plano da consulta prévia

3.2.2. Sobre a representatividade

3.2.3. Sobre a qualificação da informação

3.2.4. Sobre a origem e administração dos recursos que devem suportar o processo de consulta prévia

3.2.5. Sobre o produto da consulta e as conseqüências de seu não-cumprimento

3.2.6. Em caso de não-acordo

4. Notas de rodapé

5. Leia mais

 

O direito de os povos indígenas e tribais serem consultados, de forma livre e informada, antes de serem tomadas decisões que possam afetar seus direitos, foi previsto pela primeira vez, em âmbito internacional, em 1989, quando a Organização Internacional do Trabalho - OIT adotou sua Convenção de número 169. Fruto de uma discussão de mais de três anos, ela veio substituir a Convenção 107, datada de 1953 e elaborada sob o paradigma assimilacionista, que previa a progressiva incorporação dos povos indígenas às sociedades nacionais, com sua conseqüente perda de identidade étnica. Nesse sentido, a Convenção 169 veio para propor um novo modelo de coordenação política entre Estados e povos indígenas, mais simétrica e justa, e, por isso, representa, até hoje, o mais completo instrumento de direito internacional com caráter vinculante sobre povos indígenas e tribais no mundo e, necessariamente, deve ser interpretado no contexto dos demais instrumentos relativos a direitos humanos do sistema internacional,  especificamente a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em setembro de 2007.

O direito de consulta prévia surgiu no texto da Convenção 169 de uma forma um pouco tortuosa. Em meio ao debate sobre autodeterminação dos povos, e diante da oposição radical de vários Estados à adoção desse princípio, chegou-se a uma fórmula jurídica que, se por um lado afastava a possibilidade de “independência” desses povos com relação aos Governos Nacionais, por outro garantia que não mais seriam adotadas medidas jurídicas, políticas e econômicas a sua revelia, como historicamente ocorreu. Desta forma, entre a negação da autodeterminação e o abandono do paradigma assimilacionista, surgiu o direito de consulta prévia como um instrumento de intermediação política entre os Estados independentes e os povos indígenas e tribais neles sobreviventes.

 

1. A consulta livre, prévia e informada na Convenção 169 da OIT

A consulta prévia como direito dos povos e como princípio de relacionamento político destes com os Estados nacionais foi incluída em repetidas oportunidades no texto da Convenção 169 da OIT, como um princípio geral e transversal da atuação do Estado com relação aos povos interessados. Em seu artigo 6o, está definida o que podemos considerar a cláusula geral da consulta, que descreve de forma sucinta seus principais elementos: 1) os eventos nos quais a consulta deve ser cumprida (medidas administrativas e legislativas que afetam diretamente os povos indígenas e tribais); 2) a oportunidade para sua realização (antes da adoção de qualquer decisão); 3) os interlocutores legítimos para a execução da consulta (as instituições representativas dos povos interessados); 4) a qualificação do processo consultivo (mediante procedimentos adequados às circunstâncias e de boa-fé); e 5) o objetivo final da consulta (chegar a um consenso).

Além desta cláusula geral, a Convenção também estipula a obrigação de consulta em algumas situações específicas, quase que exemplificando e detalhando o princípio geral. Dessa forma, fala explicitamente da obrigatoriedade da consulta quando se trata de explorar recursos naturais pertencentes aos povos interessados, mesmo quando estes recursos sejam de propriedade dos Estados (Art.15) mas seu uso por terceiros venha a afetar os povos indígenas e tribais (Arts. 13 e 14).

Da mesma forma, a Convenção 169 diz ser obrigatório o consentimento prévio, livre e informado dos povos quando houver a intenção do Estado em retirá-los temporária ou definitivamente de seus territórios. Por último, a Convenção dispõe sobre a obrigação de participação direta e cooperação com os povos sempre que se trate do desenvolvimento de estudos sobre eles mesmos ou seus territórios (Art. 7o). Desta forma, a Convenção 169 da OIT instituiu o direito de consulta prévia como um instrumento político diretamente relacionado à participação dos povos indígenas nas decisões políticas e econômicas mais importantes para suas terras e entorno.

Finalmente, sobre o texto da Convenção 169 e o direito de consulta prévia, é importante chamar a atenção para o artigo 4, numeral 2º da mencionada Convenção, no qual afirma-se que todas as medidas especiais para proteger as pessoas, instituições, bens, trabalho, culturas e meio ambiente dos povos interessados não podem ser contrárias aos desejos livremente expressos por estes povos. Isso implica a necessidade de alcançar consensos entre as iniciativas dos Estados e os interesses dos povos, outorgando natureza vinculante ao conteúdo das consultas sobre medidas especiais.

Adicionalmente à Convenção 169 da OIT e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas podemos, também, encontrar o direito de consulta prévia em outros instrumentos de direito internacional, como é o caso da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que estipula a obrigatoriedade do consentimento prévio e informado relativo ao acesso a recursos genéticos e conhecimento tradicional associado (Veja aqui especial sobre recursos genéticos e conhecimento tradicional associado).

Em nível jurisprudencial, o mencionado direito de consulta prévia, também chamado de consentimento livre, prévio e informado (CLPI), tem sido reconhecido e aplicado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no âmbito regional.  No âmbito nacional,  tem sido freqüentemente aplicado pela Corte Constitucional da Colômbia e a Corte Suprema da Bolívia, como é apresentado oportunamente ao longo deste especial.

 

2. Sobre as decisões administrativas e legislativas objeto de consulta prévia

A discussão sobre a definição dos critérios para identificar as decisões administrativas e legislativas que estão sujeitas a obrigação de consulta é um dos temas mais polêmicos ao redor da aplicação deste direito. A dificuldade surge diante de decisões que não são voltadas exclusivamente aos povos indígenas e tribais, mas que, de alguma forma, os afeta. Muito se discute sobre qual grau de afetação demandaria uma consulta específica a esses grupos sociais, mesmo em medidas de caráter geral. Esse tema vem sendo intensamente debatido na Colômbia, onde a Corte Constitucional vem tomando decisões relativas à obrigatoriedade da consulta prévia em matérias legislativas (Veja item Consulta Prévia e Medidas Legislativas).

Com o objetivo de sistematizar e simplificar as colocações sobre este tema propomos a classificação das matérias objeto de consulta prévia em quatro categorias combinadas, conforme o quadro a seguir:

 

Tipo de Decisão Caráter Geral Caráter Particular
Legislativa Sobre a Consulta Prévia de Medidas Legislativas (Veja item específico) Emenda Constitucional, Lei federal, estadual ou municipal que afeta diretamente os povos indígenas e tribais por sua destinação específica (Veja  Consulta Prévia e_Medidas Legislativas no Brasil) ou conteúdo relativo aos direitos diferenciados dos povos interessados (Veja  Consulta Prévia e_Medidas Legislativas na Colômbia). Decisões que têm como destinatários grupos específicos no interior dos povos interessados, como as autorizações outorgadas pelo Congresso Nacional para a exploração de potencial hidrelétrico ou recursos minerais em terras indígenas (Veja Consulta Prévia e_Medidas Legislativas).
Administrativa Sobre Consulta Prévia de Medidas Administrativas (Veja item específico) Regulamentação de leis, definição, adoção e implementação de políticas públicas setoriais destinadas aos povos indígenas e ou tribais (Veja  Consulta Prévia e Políticas Públicas) Decisões sobre casos concretos que afetem territórios específicos, como a licença ambiental de atividades ou obras potencialmente poluidoras (Veja Consulta Prévia e Empreendimentos na América do Sul)

 

Seguindo a classificação anterior, apesar de se reconhecer a complexidade do tema, consideramos possível e desejável falar positivamente sobre um conjunto de elementos ou dicas importantes a levar em consideração para identificar cada uma das medidas mencionadas.
 
3. Sobre a aplicação e o exercício do direito de consulta livre, prévia e informada

Apesar das definições internacionais, tanto na sua forma genérica quanto particular, o exercício do direito de consulta prévia estimula muito mais perguntas que respostas. Contudo, a extensa e intensa experiência existente sobre sua implementação, apenas na América do Sul, já permite identificar pelo menos um conjunto de práticas que claramente não podem ser alegadas como exercício e aplicação do direito de consulta, tal como foi concebido na Convenção 169. Isto representa um valioso começo de definição por exclusão, especialmente para países como o Brasil, que recentemente ratificaram a mencionada Convenção e hoje enfrentam o desafio de começar a testar sua implementação sobre matérias legislativas e administrativas.
A seguir, o  texto sistematiza os principais debates sobre o que se consideram práticas contrárias à aplicação dos artigos 6o (consulta), 7º (participação) e 15 (consulta e recursos naturais) da Convenção, assim como arrisca algumas considerações substantivas sobre interpretações plausíveis com relação aos elementos tidos como indispensáveis para o adequado exercício do direito de consulta prévia.

3.1. Sobre o que definitivamente não pode ser considerado como consulta livre, prévia e informada


Durante os últimos 17 anos, após a aprovação da Convenção 169, a OIT tem se manifestado sobre diferentes reclamações dos povos indígenas e tribais ao redor do mundo com relação à sua aplicação e, especificamente, a respeito dos artigos 6º, 7º e 15, que fazem referência ao direito da consulta prévia sobre medidas administrativas, legislativas e exploração de recursos naturais em terras dos povos interessados. A maioria dos pronunciamentos da Comissão de Especialistas em Aplicação de Convenções e Recomendações (CEAAR) da OIT relaciona-se às praticas consideradas como inapropriadas na aplicação do direito de consulta prévia, o qual se explica em parte pela dificuldade de se referir positivamente e de maneira geral sobre o conteúdo do que poderiam ser consideradas como práticas adequadas para a aplicação deste direito, já que estas últimas dependem, principalmente, do contexto de cada povo, do objeto de cada consulta e das particularidades de cada Estado. Seguindo a metodologia da própria OIT, a seguir enumeramos as cinco principais práticas que já têm sido declaradas em reiteradas oportunidades como incompatíveis com os princípios internacionais que definem este direito dos povos indígenas e tribais e que, em conjunto, colaboram na compreensão de conteúdo a alcance concreto deste direito.

3.1.1. A consulta prévia não é simples informação

A OIT tem reiterado que o simples ato de  informar os povos afetados sobre decisões administrativas e legislativas que lhes afetam não é o bastante para lhes garantir o direito à consulta prévia. A esse respeito, a CEACR da OIT, no caso de exploração de petróleo em terras indígenas na Bolívia, manifestou que:

6. La Comisión nota por un lado, que la empresa MAXUS mantuvo una reunión de información con la comunidad de Tentayapi y por otro que dicha comunidad no está satisfecha del procedimiento empleado ni de los resultados y por el contrario ha llevado sus reclamos a diferentes ámbitos nacionales antes de la presente comunicación. Los artículos 6º, 7º y 15 del Convenio establecen, entre otros criterios aplicables a este tipo de consulta que la misma constituye un proceso y no un acto informativo, con un tipo de procedimiento y con la finalidad de llegar a un acuerdo con los pueblos afectados, y en el caso de recursos naturales hay además otras exigencias. Como ya lo estableciera el Consejo de Administración en su informe sobre otra reclamación (documento GB 282/14/2, párrafo 38) «el concepto de la consulta a las comunidades indígenas que pueden resultar afectadas con motivo de la exploración o explotación de los recursos naturales comporta el establecimiento de un diálogo genuino entre ambas partes caracterizado por la comunicación y el entendimiento, el respeto mutuo y la buena fe, con el deseo sincero de llegar a un acuerdo común. Una reunión de mera información no se puede considerar en conformidad con lo dispuesto con el Convenio». Además, la Comisión hace notar que la obligación de asegurar que las consultas tengan lugar de manera compatible con los requisitos establecidos en el Convenio, es una obligación a cargo de los gobiernos y no de personas o empresas privadas. 7. En conclusión, la Comisión espera que el Gobierno propiciará un diálogo genuino con las comunidades afectadas en los términos establecidos por el Convenio y que ordenará la suspensión de datos que vulneren el interés de la comunidad indígena guaraní de Tentayapi hasta tanto se realicen las consultas pertinentes y que la mantendrá informada de la evolución de la situación. (grifos nossos)

Claramente, a informação pertinente, clara, oportuna e imparcial deve subsidiar a adoção de qualquer decisão produzida no processo de consulta, mas isso por si só não é o suficiente para caracterizá-lo. A consulta não é um evento, é um processo de decisão e, nessa medida, a informação tem simplesmente um caráter instrumental no seu desenvolvimento.

O Estado (como poder legislativo ou executivo, segundo seja o caso) deve comunicar eficazmente a informação referente a decisões em processo de adoção, nunca após sua definição. Nesse sentido, a OIT tem manifestado que:

“ El articulo 6º requiere que la consulta sea “previa”, lo que implica que las comunidades afectadas sean involucradas lo antes posible en el proceso, incluyendo en la realización de estudios de impacto ambiental. Por último, el Comité desea subrayar que, como en este caso, reuniones o consultas llevadas a cabo después del otorgamiento de una licencia ambiental no satisfacen lo dispuesto en los artículos 6o y 15,2) del Convenio.” 2

3.1.2. O direito de consulta prévia não pode ser compreendido como um evento

A consulta prévia não pode ser compreendida como um evento, uma reunião ou um encontro. Seu reconhecimento e aplicação implicam, necessariamente, a existência de um processo mutuamente acordado, que poderá estar composto por vários eventos de diferentes naturezas (reuniões, oficinas, seminários, assembléias etc.), segundo decidam as partes, e sempre com a disposição de tempo suficiente e recursos próprios para sua execução. A verificação da realização de um processo de consulta anterior  à adoção de uma decisão pública consiste em conseguir observar no conteúdo e motivação de decisão final a opinião dos diretamente afetados e, na medida em que dita opinião, se teve o poder real de influenciá-la.

3.1.3. A consulta prévia não é sinônimo literal do conceito de participação. Seu poder consiste no caráter particular de sua espécie

A OIT também tem sido cuidadosa em diferenciar o conceito genérico de participação da idéia concreta da consulta prévia, já que um não é exatamente sinônimo do outro. A consulta prévia pode ser considerada até uma espécie dentro do gênero participação, mas ela tem características específicas que a qualificam de maneira particular. Nessa ordem de idéias, não é adequado pensar que a existência de espaços permanentes de participação para representantes dos povos indígenas e tribais em colegiados, como conselhos e comitês de representação cidadã, satisfaça o cumprimento da obrigação de consulta prévia sobre qualquer decisão adotada em ditos colegiados. Por exemplo, o fato de haver um representante indígena ou quilombola no Conselho Nacional de Política de Educação não quer dizer que cada decisão do Conselho que afete diretamente povos indígenas e/ou tribais não precise ser consultada com as instituições representativas destes povos mediante procedimentos adequados. É possível que os espaços institucionalizados de participação da sociedade civil possam ser ativados para a realização de consultas sobre medidas específicas, sempre que as partes concordem que a maneira mais adequada de realizar a consulta seja essa, mas, a priori, é impossível confundir os instrumentos e afirmar que um esgota o outro, tendo eles em comum o simples fato de serem formas de participação.

3.1.4. O Estado não pode delegar a execução do processo de consulta prévia a particulares

Outro elemento freqüente nos pareceres da OIT sobre práticas que desqualificam um processo de consulta prévia é o fato de que este seja executado por particulares e não pelo Estado, como se se tratasse de uma negociação de bens privados e não uma discussão de prioridades políticas, na qual o único interlocutor possível dos povos afetados é o próprio Estado. O poder legislativo ou executivo, conforme seja o caso, é o único interlocutor legítimo dos povos interessados num processo de consulta prévia. Sempre que empreendedores particulares estejam envolvidos no processo de consulta eles devem participar na qualidade de terceiros interessados, mas nunca podem ser os interlocutores diretos dos povos indígenas e tribais, pois no processo de consulta estão em jogo princípios e valores públicos sobre os quais somente o Estado pode discernir.

 

3.1.5. A consulta não é direito de veto, mas isso não significa ausência de poder vinculante

A OIT tem sido explícita em afirmar que o direito de consulta prévia não pode ser interpretado como direito de veto, o que é conseqüente com o espírito da Convenção, como ferramenta de reconhecimento político que propõe uma relação de coordenação, e não de confrontação, entre os Estados e os povos. De qualquer forma, é importante não confundir o poder de vetar decisões - direito legítimo de se opor e resistir a uma decisão com a qual não se concorda - e o processo de consulta prévia, que não é nem veto, nem resistência, mas um simples instrumento de coordenação respeitosa, que deve reconhecer e potencializar a autonomia dos povos.

Quando a OIT afirma que a consulta prévia não é direito de veto, não está manifestando que é ilegítimo aos povos se opor diametralmente às decisões do Estado que lhes afetam. Está definindo de maneira clara o alcance deste instrumento jurídico, o qual sempre deve ser avaliado com relação à utilidade que representa na defesa dos direitos substantivos dos povos interessados. É importante não perder de vista que o direito de consulta prévia tem um valor meramente procedimental, de meio ou ferramenta de defesa do conjunto dos direitos materiais reconhecidos aos povos indígenas e tribais na integralidade da Convenção 169, e, nessa medida, a sua aplicação não pode significar um fim em si mesmo. Tudo isso deve ser levado em consideração ao interpretar as limitações jurídicas do instrumento, como o fato de ele não representar o poder de vetar decisões unilaterais do Estado, sendo principalmente um espaço de discussão e influência para a definição coordenada de decisões em um contexto que exclui a possibilidade de imposição por qualquer uma das partes.

A consulta prévia necessariamente implica a disposição de adiantar um processo de negociação que termine numa decisão conjunta, mutuamente influenciável. Isso não significa resignação, mas exige respeito, reconhecimento de legitimidade e poder do interlocutor, perseverança, muito compromisso e imaginação. Tanto para o Estado quanto para os povos indígenas, o direito de consulta prévia significa o desafio de reinventar relações respeitosas de coordenação, deixando para trás a dominação e a imposição.

O processo de consulta prévia servirá sempre para informar e amadurecer decisões do Estado e dos povos interessados e, nessa medida, não deve ser desconsiderado.  Em princípio não existem razões para não aproveitar a oportunidade política que o exercício deste direito implica tanto para os povos quanto para os Estados. Mas, diante deste cenário, será a avaliação de cada caso, de cada contexto e disposição de forças vigentes as que indicarão a conveniência e utilidade deste instrumento na defesa dos direitos dos povos indígenas e tribais. De qualquer forma, conscientes do alcance jurídico do instrumento, recomenda-se não usar o direito de consulta prévia como instrumento principal para se opor radicalmente à decisões do Estado sobre as quais não há disposição para negociar.

Resumimos, assim, as principais práticas que não podem ser consideradas como consulta prévia. Tentamos reunir, em seguida, dicas para qualificar um processo de consulta prévia, tal como  tem sido definida nos diferentes instrumentos internacionais e nas principais experiências percorridas.

 

3.2 Algumas dicas para a execução de processos de consulta prévia

Em geral, todos os processos de consulta prévia devem cumprir princípios básicos que lhes são comuns, como serem executados de boa-fé, por meio de procedimentos adequados e com as instituições representativas dos povos, antes da adoção de qualquer decisão e com o objetivo de chegar a um consenso. Mas é nos processos particulares a cada tipo de consulta que os elementos gerais são qualificados no seu significado concreto.

Nessa ordem de idéias, é necessário diferenciar as consultas relativas a decisões políticas de caráter geral, que afetam a totalidade dos povos interessados - como leis ou políticas públicas voltadas para estes povos - daquelas relativas a decisões pontuais, que afetam apenas uma parcela dos povos interessados, como nos casos relativos a obras de infra-estrutura ou exploração de recursos naturais que impactam diretamente os territórios destes povos. Em cada uma destas consultas, o objeto, procedimentos e interlocutores variam, assim como as condições mínimas para sua execução. Por isso é importante discriminar os diferentes tipos de consulta e discutir a especificidade de cada uma delas.

3.2.1. O plano da consulta prévia

De forma geral, e como princípio comum a qualquer processo de consulta prévia, consideramos que esta implica a necessidade, iniludível, de acordar um plano de consulta antes que qualquer outra coisa. A definição mútua sobre as regras de execução do processo de consulta é um elemento fundamental para a construção de uma confiança básica entre as partes e para a discussão e sintonização de expectativas para todos os envolvidos antes de começar a consulta propriamente dita.

A omissão deste procedimento preliminar pode gerar mais frustrações que acordos ao final da consulta. Este elemento, que denominamos pré-consulta ou plano de consulta, é possivelmente a dica mais importante de todas aquelas que podemos anotar sobre a dimensão prática deste direito. Vale a pena citar o que a jurisprudência constitucional da Colômbia tem mencionado a esse respeito.

Na Sentença C-208 de 2007, a Corte expressou que: “… el proceso consultivo que las autoridades gubernamentales tienen que llevar a cabo ante los grupos étnicos para adoptar una decisión que afecte sus intereses, “deberá estar precedido de una consulta acerca de cómo se efectuará el proceso consultivo”. Ha dicho al respecto que “el Estado Colombiano deberá tener en cuenta que los procesos de consulta previa no podrán responder a un modelo único aplicable indistintamente a todos los pueblos indígenas, pues para dar efectiva aplicación al Convenio 169 de la OIT y en especial a lo dispuesto en su artículo 6° y en el artículo 7° de la Carta, los procesos de consulta deberán ante todo garantizar los usos y costumbres de los pueblos indígenas, respetando sus métodos o procedimientos de toma de decisiones que hubieren desarrollado.” (grifos nossos).

Como menciona a Corte colombiana, o plano de consulta representa a oportunidade de adequar cada caso às circunstâncias e particularidades dos diferentes povos e dos diversos objetos de consulta. É impossível criar um modelo único de consulta prévia e, ao mesmo tempo, respeitar e reconhecer a especificidade de cada processo para desenvolvê-lo adequadamente. Portanto, a definição da necessidade de acordar um plano de consulta antes de começar qualquer processo de discussão de mérito é um instrumento que ajuda a garantir o respeito pelos usos, tradições e procedimentos de tomada de decisão dos povos envolvidos.

No que temos chamado de plano de consulta se deveria definir minimamente: o objetivo do processo, ou seja, o conteúdo da consulta; os procedimentos a serem aplicados; os interlocutores legítimos de ambas as partes; o tempo e os recursos necessários para sua adequada execução, assim como sua origem; e os procedimentos a seguir, em caso de não se chegar a nenhum acordo.

O ideal é que a instituição do Estado especializada para cada tipo de população (como a FUNAI, no caso dos povos indígenas) seja a encarregada de liderar este primeiro momento de pré-consulta, colaborando com a identificação das instituições representativas dos povos e as entidades públicas competentes para a decisão objeto de consulta. O órgão indigenista ou correspondente deve orientar tanto o Estado quanto os povos envolvidos na discussão do plano de consulta, sem ser necessariamente o interlocutor direto por parte do Estado, sendo seu papel o de simples facilitador do diálogo. Isso não quer dizer que o órgão especializado, quando for a entidade competente para adotar a decisão objeto de consulta, não possa ser o interlocutor direto, mas isso deve estar restringido unicamente a esse tipo de caso. 

O plano de consulta é uma forma de manter a flexibilidade necessária para atender às particularidades de cada processo de consulta prévia, mas ele deve ser orientado por um conjunto de características e procedimentos mínimos a ser levados em consideração na hora de definir cada processo. Um elemento fundamental do plano de consulta deve ser a possibilidade de sua adaptação e modificação durante a execução do processo, sempre que esta seja de mútuo acordo e que se justifique como necessária para o desenvolvimento da consulta, já que sem esta possibilidade o plano perde toda a flexibilidade desejável para ser adequado instrumento do processo, cujas contingências não podem ser previstas desde antes da sua execução. Nesse sentido, a seguir apresentamos algumas dicas mais particulares para cada tipo de consulta.

3.2.2. Sobre a representatividade

Um dos elementos mais complexos e importantes de um processo de consulta prévia é a definição da representatividade legítima dos povos, como da dos representantes do próprio Estado que participam da consulta, visando a garantir a adequada interlocução e competência para tomar as decisões que a medida consultada implica.

Todo processo de consulta prévia deve discutir a representatividade adequada para cada caso segundo o conteúdo e a abrangência das medidas consultadas. O problema é definir regras gerais que indiquem o que pode ser considerado adequado para os múltiplos e variados casos de implementação que podem surgir. A falta de uma definição eficiente de interlocutores pode comprometer todo o processo de consulta, pondo-se em questão sua validade e possibilitando que se demande sua anulação por falta de representatividade e competência dos participantes da consulta, comprometendo a vontade dos povos ou do Estado em um acordo de consulta. (Veja item Consulta Prévia e Medidas Legislativas , Na Colômbia,  anexo SU-039 de 1997).

Entre as experiências sistematizadas neste especial foi possível perceber que a representatividade é um dos graves calcanhares de Aquiles deste tipo de processo. Para citar tão só um exemplo dos problemas mais comuns a respeito, vale a pena transcrever uma reclamação indígena sobre a manipulação de representações na hora de definir interlocutores.

“... Los líderes indígenas insistentemente denuncian que una petrolera no reconoce pueblos. Su modus operandi consiste en una táctica de acoso permanente, en donde se pone en práctica una estrategia de persuasión dirigida a personas, familias y comunidades, con ofertas materiales inmediatistas que incluyen dinero, víveres, pelotas, camisetas, etc. La petrolera no consulta, persuade. No se respeta las instancias propias de organización y autoridad indígena, se los elude y se divide bajo la coartada  populista de ‘conversar con las bases’. Toda discrepancia o conflictividad interna es capitalizada por las empresas en función de sus objetivos. No se informa con honestidad, transparencia y buena fe, se manipula. No se establecen acuerdos democráticos, se compra voluntades. No se debate con transparencia, se actúa en forma subterránea. Ninguna empresa petrolera (tampoco el Estado) ha demostrado apertura hacia los planes de vida de los pueblos indígenas  (propuestas integrales a largo plazo), sino, propugnan la toma y da con pelotas, camisetas, herramientas, es decir chucherías y cuentas de vidrio.”  (grifos nossos)

Atenta a este tipo de problemas na hora de definir a representatividade adequada dos povos interessados, a OIT tem se manifestado sobre a importância de respeitar as formas próprias de autoridade, governo e representação destes povos como um dos elementos fundamentais da legitimidade dos processos de consulta.

“El Comité que el principio de representatividad es un componente esencial de la obligación de consulta. El Comité es consciente que pudiera ser difícil en muchas circunstancias determinar quien representa una comunidad en particular. Sin embargo, si no se desarrolla un proceso de consulta adecuado con las instituciones u organizaciones indígenas y tribales verdaderamente representativas de las comunidades afectadas, la consulta encaminada no cumpliría con los requisitos del Convenio. En este caso, el Comité considera que no solamente no se llevó a cabo la debida consulta  con una organización indígena claramente representativa de los pueblos interesados en las actividades de Arco en el Bloque 24 la FIPSE sino que las consultas que se realizaron la excluyeron, a pesar de la declaración pública emitida por la FIPSE en que determino “no permitir ninguna negociación individual o de sus centros y asociaciones con la compañia Arco”. En este contexto, el Comité recuerda que el apartado c)  del parágrafo 1 del artículo 6 estipula que los gobiernos deberán “establecer los medios para el pleno desarrollo de las instituciones e iniciativas de esos pueblos, y en los casos apropiados proporcionar los recursos necesarios para este fin”. Por lo tanto, el Comité considera que cualquier consulta llevada a cabo en el futuro concerniente al Bloque 24 deberá tener en cuenta la declaración de la FIPSE antes citada.”  4

Por essas razões, a representatividade adequada deve ser cuidadosamente definida antes de começar o processo de consulta, e ela deve ser decidida, tanto para os povos indígenas e tribais, quanto para as entidades públicas competentes, para adiantar o processo de consulta. A representatividade adequada deve garantir que as partes possam adotar decisões vinculantes sobre o conteúdo da decisão consultada.

Um elemento fundamental a levar em consideração sobre este ponto é que a consulta sempre deve ser desenvolvida com instituições representativas dos povos e nunca com indivíduos com representatividade e legítimo mandato para atuar em cada caso. 5  A exigência de definir instituições representativas dos povos não pode significar a construção de representatividades artificiais e alheias aos povos, como associações ou qualquer tipo de personalidade jurídica com o fim de participar do processo em uma categoria institucional. Nada seria mais afastado do objetivo desta disposição.

A idéia de exigir que sejam instituições representativas dos povos as que participem da consulta pretende precisamente reconhecer aquelas instituições de representação política própria de cada povo, sendo esta um cacique, um capitão, um conjunto de velhos e até mesmo associações e outras organizações constituídas como pessoas jurídicas já existentes no decorrer da articulação política de cada povo. O importante é que as pessoas que simbolizem a instituição política representativa em cada caso tenham poder suficiente para falar e decidir pelos povos, segundo seus usos e tradições.

A prova da legitimidade de cada representante para cada decisão é fundamental para a execução da consulta. Os meios para tal deverão ser decididos caso a caso, por todas as partes envolvidas, a partir da elaboração do plano de consulta, o qual, como já mencionamos, sempre deve prever a possibilidade de ser repactuado e modificado quantas vezes for necessário dentro do processo.

A mesma regra geral da consulta prévia define que em cada caso é desejável que sejam os diretamente afetados pela decisão os interlocutores do processo, mas isso não deve excluir a possibilidade de que instituições representativas dos povos de mandato regional ou nacional possam participar do processo, sempre e quando sejam definidos os alcances de seu envolvimento pelos povos e grupos diretamente afetados.

No caso de decisões de caráter geral, tanto administrativas quanto legislativas, é importante que as organizações nacionais dos povos sejam ativadas para convocar, orientar e facilitar a realização da consulta nacional, por meio de seus canais de articulação regionais e locais. A consulta de medidas nacionais não pode se considerar esgotada com a participação exclusiva dos dirigentes das organizações nacionais. O conteúdo de cada consulta é tão específico que dificilmente vai existir algum dirigente nacional com um mandato de representação pontual sobre cada matéria nacional a ser apresentada e discutida. Neste tipo de caso, o mais adequado é coordenar a definição do plano de consulta com as organizações nacionais de forma tal que estas, assim como os órgãos públicos especializados como a FUNAI, participem principalmente na definição e implementação do plano de consulta, para estimular a realização de um processo o mais amplo, democrático e inclusivo o possível.

No caso das decisões de caráter particular administrativas ou legislativas, a representatividade dos povos interessados deve garantir que as instituições que participam do processo sejam aquelas diretamente afetadas, com competência para a execução de acordos dentro do grupo e território impactado, sendo unicamente a representação local a que deveria estar autorizada a dizer a última palavra sobre a matéria consultada. Isto não deve excluir a possibilidade de que organizações dos povos de nível regional e/ou nacional possam acompanhar ativamente o processo de consulta, principalmente com assessoria especializada, muito necessária para a compreensão do processo com as autoridades locais. Estas são, afinal,  as que assumem a obrigação de implementar os acordos com seus povos. Por isso, apesar de ser importante que não existam intermediários entre a decisão e sua execução, também é fundamental que as autoridades locais possam se apoiar nas diferentes organizações e instituições representativas criadas para estes tipo de trabalho.

 

3.2.3. Sobre a qualificação da informação

É importante primeiro dizer que a informação dentro de um processo de consulta não é mais que um instrumento e insumo do processo. Em nenhum momento a informação se constitui um fim ou um produto do mesmo. A informação deve ser pública, de fácil acesso e compreensão, permanente durante todo o processo, imparcial e prévia a qualquer decisão.


Em recente decisão, a Corte Interamericana de Direitos Humanos manifestou-se sobre o papel instrumental da informação no processo de consulta, assim como as características que esta deve cumprir para servir como eficiente subsídio das decisões a serem adotadas por todas as partes durante a consulta:

“Primero, la Corte ha manifestado que al garantizar la participación efectiva de los integrantes del pueblo Saramaka en los planes de desarrollo o inversión dentro de su territorio, el Estado tiene el deber de consultar, activamente, con dicha comunidad, según sus costumbres y tradiciones (supra p•rr. 129).  Este deber requiere que el Estado acepte y brinde información, e implica una comunicación constante entre las partes.  Las consultas deben realizarse de buena fe, a través de procedimientos culturalmente adecuados y deben tener como fin llegar a un acuerdo. Asimismo, se debe consultar con el pueblo Saramaka, de conformidad con sus propias tradiciones, en las primeras etapas del plan de desarrollo o inversión y no únicamente cuando surja la necesidad de obtener la aprobación de la comunidad, si éste fuera el caso.  El aviso temprano proporciona un tiempo para la discusión interna dentro de las comunidades y para brindar una adecuada respuesta al Estado. El Estado, asimismo, debe asegurarse que los miembros del pueblo Saramaka tengan conocimiento de los posibles riesgos, incluido los riesgos ambientales y de salubridad, a fin de que acepten el plan de desarrollo o inversión propuesto con conocimiento y de forma voluntaria.  Por último, la consulta debería tener en cuenta los métodos tradicionales del pueblo Saramaka para la toma de decisiones”. (Grifos nossos). (Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso Saramaka Vs. Surinam. 28/11/2007.)

As qualidades, fontes e pertinência das informações variam caso a caso, por isso é importante identificar os requerimentos mais importantes de levar em consideração quando se trata de diferentes tipos de consulta prévia.

Nas consultas sobre medidas de caráter geral, a informação deve ser amplamente difundida e discutida com a maior quantidade de entidades representativas dos povos, se necessário traduzida em várias línguas. Para este tipo de medida, a consulta prévia deve estar preferivelmente acompanhada de uma eficiente campanha de comunicação nacional, que pode estar composta por diferentes estratégias presenciais ou midiáticas que permitam intercambiar informação. Este é um elemento fundamental do sucesso da consulta deste tipo de medidas e implica recursos como tempo e orçamento próprios e de dimensões pouco desprezíveis, que devem ser levadas em consideração na definição dos planos de consulta.

Nas consultas sobre decisões de caráter particular, a informação está na maioria das vezes a serviço da avaliação de impactos sobre os quais geralmente nunca se tem absoluta certeza, por isso é muito importante um trabalho concomitante com a divulgação de informação, que é preparação para sua compreensão, ou seja, a construção de critérios para ler, compreender e instrumentalizar. Nessa medida, para os casos de decisões concretas em que são grupos particulares os diretamente afetados, é fundamental que exista um trabalho de construção de critérios independente dos empreendedores, sejam estes estatais ou particulares.

Isso necessariamente implica o trabalho de acompanhamento de um grupo de profissionais assessores que possam garantir a compreensibilidade da informação circulante no processo. Este elemento precisa de recursos que garantam a independência e o tempo necessário para sua realização, o que deve estar previsto no plano de consulta, quando se tratar de medidas administrativas ou legislativas de caráter particular.

Em caso de atividades extrativistas e obras civis que afetem os povos interessados, devem-se garantir consultas específicas para cada fase do projeto. O objetivo destas consultas é influenciar as decisões que vão desde a avaliação preliminar, para decidir sobre a realização ou não do empreendimento, até as decisões necessárias em todas as fases posteriores de concessão de licenças, execução de obras e mitigação de impactos. Para esses casos, é recomendável a criação de espaços permanentes de interlocução, nos quais serão executadas as diferentes consultas, assim como prazos de vigência para os acordos alcançados.


Com relação a esse ponto, merece destaque a proposta do governo da Bolívia sobre princípios que devem orientar o processo de consulta prévia relativa à exploração de hidrocarbonetos em territórios de povos indígenas e camponeses tradicionais:

Decreto Supremo nº 29033, de 16 de febrero de 2007 

Artículo 4 (Bases y Principios)

Los principios a los que se sujeta el proceso de Consulta y Participación son:

- Respeto y Garantía. El Estado Boliviano a través del Ministerio de Hidrocarburos y Energía (AC) y la Autoridad Ambiental Competente (AAC) deberán hacer respetar y garantizar el ejercicio y vigencia de los derechos fundamentales, especialmente los referidos a la consulta y participación de los PIO s y CC s, así como los derechos: sociales, económicos, culturales, ambientales, el hábitat y formas de organización - social, económica, cultural y espiritual,
de los PIO s y CC, la integridad y propiedad de las tierras y propiedades de PIO s y CC; que se encuentran garantizados por la Constitución Política del Estado, los Pactos, Convenios y Declaraciones internacionales de los Derechos Humanos.

Al mismo tiempo se respetará las instancias de decisión de representación y las tierras y territorios de cada uno de los PIO s y CC s así como sus formas de organización usos y costumbres, en el marco de la independencia de las organizaciones susceptibles de ser afectadas por actividades hidrocarburíferas, guardando de efectuar cualquier tipo de interferencia intromisión o influencia en asuntos inherentes a sus organizaciones o instancias de representación.

- Información previa y oportuna. El Estado Boliviano, a través de la AC del proceso de consulta y participación, deberá asegurarse que los PIO s y CC que formen parte del proceso de Consulta y Participación, reciban de forma previa, y oportuna la información suficiente y necesaria, de acuerdo a las características lingüísticas del área de los PIO s y CC, con respecto a las actividades hidrocarburíferas que se pretendan licitar, autorizar y ejecutar y de los posibles impactos socio ambientales y culturales de la actividad hidrocarburífera, antes de la realización de la consulta y participación, facilitando los medios necesarios para su socialización.

-Veracidad.  El proceso de consulta y participación deberá enmarcarse en este principio de veracidad en concordancia con las normas legales vigentes, especialmente en las disposiciones del Convenio 169 de la OIT, que establecen que la consulta debe realizarse de buena fe y por tanto, toda la información que sean parte y resultado del proceso de consulta y participación deberán ajustarse a la verdad.

- Integralidad. Los aspectos y temas objeto de la consulta y participación, serán analizados de forma integral en todo el proceso. En caso que fuere necesaria la participación de otras instancias que coadyuven en el proceso, estas serán convocadas por la AC y estarán obligadas a proporcionar la información sobre los aspectos de su competencia.

- Oportunidad. El proceso de consulta y participación deberá comunicarse de manera oportuna, para que tanto las instancias representativas de cada uno de los PIO s y CC, como la autoridad competente, puedan desarrollar el proceso y cumplir con las etapas y procedimientos establecidos en el presente reglamento.

- Participación. Los PIO s y CC participaran en todo el proceso de la consulta y participación, con miras a ejercer sus derechos y garantizar el respeto a su integridad territorial usos y costumbres.

- Transparencia. El proceso de consulta y participación deberá desarrollarse de manera clara y pública, con acceso libre y oportuno a toda la información relacionada a la actividad hidrocarburífera relativa al proyecto. (Veja Consulta Prévia na América do Sul). Vale a pena destacar os princípios de veracidade, como uma interpretação concreta do princípio da Boa Fé, e o princípio de integralidade do processo. Ambos obrigam a concentrar as discussões com diferentes entidades no mesmo processo de consulta, sem fracionar a informação nem tomar decisões que possam ser contraditórias e que dificultem tomá-las. A Bolívia é o primeiro país a incluir uma lista de princípios para orientar a execução do processo de consulta. E isso  tem definido um alto patamar para a execução das consultas, o que representa um grande desafio para o governo do presidente indígena Evo Morales. (Veja item Consulta Prévia na América do Sul, Na Bolívia).

 

3.2.4. Sobre a origem e administração dos recursos que devem suportar o processo de consulta prévia

O ideal é que os recursos com os quais se executem as consultas prévias sejam sempre do Estado, mas, principalmente nos casos em que as consultas interessam a particulares, estes devem colaborar com os recursos para sua realização, devendo o Estado, no entanto, administrá-los, com o objetivo de garantir a imparcialidade das pessoas que nele trabalhem e a independência da informação produzida.

O que definitivamente resulta inadmissível com relação a este ponto é que os povos afetados devam assumir os custos do processo de consulta, colocando em altíssimo risco suas possibilidades reais de participação, como está previsto na regulamentação equatoriana, na qual, em princípio, são os povos auto-reconhecidos como indígenas e afro-equatorianos os que devem pagar os gastos de transporte, alimentação e articulação para participar da consulta.

“Decreto Ejecutivo 3401, Registro Oficial 728 de 19 de Diciembre del 2002.

Artículo  43. Financiamiento de los costos de la consulta prelicitatoria.  Los costos del proceso de consulta y participación de la consulta prelicitatoria le corresponde al organismo encargado de llevar a cabo las licitaciones. Los costos de participación de los sujetos de la consulta involucrados, sus propios gastos de movilización y promoción de sus posiciones, entre otros de igual naturaleza, les corresponde a cada uno de los sujetos de la consulta, sin perjuicio de que excepcionalmente los pueblos indígenas que se autodefinen como nacionalidades y afroecuatorianos, participantes en el proceso de consulta, puedan llegar a acuerdos específicos sobre la cobertura de gastos de movilización, hospedaje y alimentación de los participantes que se encuentran en el área de influencia directa.

Artículo 44. Financiamiento de los costos del proceso de consulta de ejecución.  Los costos del proceso de consulta y participación de ejecución, le corresponde a PETROECUADOR y sus filiales según corresponda, a sus contratista o a los contratistas del Estado para el desarrollo de actividades hidrocarburíferas. Los costos de participación de los sujetos de la consulta involucrados, sus propios gastos de movilización y promoción de sus posiciones, entre otros de igual naturaleza, les corresponde a cada uno de los sujetos de la consulta, sin perjuicio de que excepcionalmente los pueblos indígenas que se autodefinen como nacionalidades y afroecuatorianos, participantes en el proceso de consulta, puedan llegar a acuerdos específicos sobre la cobertura de gastos de movilización, hospedaje y alimentación de los participantes que se encuentran en el área de influencia directa”.

O caso equatoriano é o extremo oposto a qualquer oportunidade de instrumentalizar os recursos financeiros ao serviço de garantir a eficácia da participação dos povos afetados por uma decisão pública. O ideal é que seja o Estado quem garanta os meios materiais necessários para a execução do processo, mesmo que com recursos privados, mas administrados por ele. (Veja item Consulta Prévia na América do Sul, No Equador).

3.2.5. Sobre o produto da consulta e as conseqüências de seu não-cumprimento

O acordo produto da consulta sempre deve ser verificável no conteúdo da decisão e na sua respectiva motivação. Apesar da consulta não implicar o direito de veto, isto não quer dizer que os acordos nela alcançados não sejam vinculantes e que não condicionem a decisão final do Estado, bem seja administrativa ou legislativa. Por essa razão, deveria perder validez toda decisão que depois de consultada não incluísse no seu conteúdo os resultados do processo de consulta. Sobre este ponto, é, novamente, a regulamentação da Bolívia que trabalha de maneira mais explícita as conseqüências do descumprimento dos acordos.

Decreto Supremo nº 29033DE 16 de febrero de 2007
Articulo 16.  (Impugnación).

A solicitud de las instancias de representación de los PIO s y CC, la AAC podrá iniciar proceso administrativo a la empresa consultora ambiental encargada de elaborar el Estudio de Evaluación de Impacto Ambiental Analítico Integral y al representante legal de la AOP, cuando no se incorporen debidamente los resultados del proceso de consulta y participación del segundo momento. La impugnación será aplicable a lo estipulado en el Inciso b) del Artículo 115 de la Ley Nº 3058.

Articulo 17.  (Declaratoria de impacto ambiental).
La AAC no emitirá la Declaratoria de Impacto Ambiental para la AOP hidrocarburífera de que se trate, si se verifica la no incorporación los resultados del proceso de consulta para la elaboración y aprobación de los EEIA analíticos integrales.

Articulo 18.  (Nulidad del Proceso de Consulta y Particpación).
I. De conformidad con el Artículo 116 de la Ley Nº 3058, las resoluciones y consensos registrados como producto del proceso de consulta tienen validez para las AOP hidrocarburíferas objeto de la consulta.

II. El proceso de consulta estará viciado de nulidad en caso de incumplimiento de los requisitos y condiciones establecidos en el presente reglamento y en particular, cuando:
a) La información o parte de la misma presentada por la AC no correspondiere a la AOP hidrocarburífera que se pretende desarrollar fuere falsa o contradictoria.
b) La consulta y participación fuera realizada alterando totalmente el procedimiento establecido en el presente reglamento.
c) El proceso de consulta y participación sea realizado sin considerar el Acta de Entendimiento suscrito.
d) La firma del convenio de validación de acuerdos, que fuere logrado por presión, amedrentamiento, soborno, chantaje o violencia y no cuente con el acuerdo mutuo emergente del proceso de consulta y de participación, comprobados por la vía correspondiente.
Los Señores Ministros de Estado, en los Despachos de Hidrocarburos y Energía y Desarrollo Rural, Agropecuario y Medio Ambiente, quedan encargados de la ejecución y cumplimiento del presente Decreto Supremo.

Ao que tudo indica, a Bolívia está fazendo o exercício mais completo para conseguir implementar o direito de consulta no continente. Ainda falta avaliar, na prática, os mecanismos legais produzidos por esse país, mas, sem dúvida, são um interessante precedente normativo a ser levado em consideração para refletir sobre o tema.

3.2.6. Em caso de não-acordo

Em caso de não existir acordo sobre a totalidade das propostas discutidas, a entidade competente (administrativa ou legislativa) motivará sua decisão, incluindo as considerações expostas pelos povos interessados, e modificando, na medida do possível, sua proposta inicial, ao retomar elementos colocados no processo de consulta, que deve subsidiar e informar a decisão final. A entidade competente deverá avaliar, ante a falta de consenso ou acordo, a possibilidade de desistir da proposta, levando em consideração a informação produzida e as razões expostas pelos povos interessados. Se, apesar da negativa dos povos em aceitar a decisão consultada, o Estado insiste em adotá-la segundo suas competências e funções, sua decisão deverá estar especialmente motivada e influenciada pelo processo de consulta. Sobre esta discussão, a Corte Constitucional colombiana tem proposta a seguinte fórmula:

“Cuando no sea posible el acuerdo o la concertación, la decisión de la autoridad debe estar desprovista de arbitrariedad y de autoritarismo; en consecuencia debe ser objetiva, razonable y proporcionada a la finalidad constitucional que le exige al Estado la protección de la identidad social, cultural y económica de la comunidad indígena. En todo caso deben arbitrarse los mecanismos necesarios para mitigar, corregir o restaurar los efectos que las medidas de la autoridad produzcan o puedan generar en detrimento de la comunidad o de sus miembros. No tiene por consiguiente el valor de consulta la información o notificación que se le hace a la comunidad indígena sobre un proyecto de exploración o explotación de recursos naturales. Es necesario que se cumplan las directrices mencionadas, que se presenten fórmulas de concertación o acuerdo con la comunidad y que finalmente ésta se manifieste, a través de sus representantes autorizados, su conformidad o inconformidad con dicho proyecto y la manera como se afecta su identidad étnica, cultural, social y económica.” (grifos nossos) Sentencia SU-039 de 1997

É possível questionar a proposta da Corte Constitucional colombiana do ponto de vista de que o Estado pode finalmente adotar, de maneira unilateral, uma decisão após um processo de consulta prévia, o que aparentemente diminui o poder político dos povos de pressionar o Estado a chegar a um acordo, já que, se este se sabe com a competência de terminar unilateralmente a decisão, não terá muito interesse em trabalhar por conseguir acordos. Nesse sentido, é interessante a proposta da lei boliviana sobre consulta prévia, a qual insiste na necessidade de o Estado chegar a um acordo no melhor interesse nacional, ou seja, discutindo os valores e interesses de nível nacional que implicam a negativa dos povos, o que é uma proposta de mediação e não de imposição, como de alguma maneira o aceita a Corte Constitucional colombiana diante do caso de não-acordo ao finalizar o processo de consulta.

Ley de Hidrocarburos nº 3058 de 17 Mayo de 2005 

Articulo 116. (Responsabilidad Estatal). Las resoluciones y consensos registrados por las Autoridades Competentes como producto del proceso de consulta en sus dos momentos, tienen validez para las actividades hidrocarburíferas del proyecto objeto de la consulta. En caso de tener la consulta, reconocida en el Artículo 115º, un resultado negativo, el Estado podrá promover un proceso de conciliación en el mejor interés nacional. (grifos nossos)

Como vem ficando evidente ao longo deste especial, o direito de consulta prévia inegavelmente ainda precisa ser muito mais debatido, confrontado, reivindicado e elaborado para sua aplicação. Não obstante, acreditamos no seu potencial político de construção conjunta entre Estados e povos e, por isso, pensamos que é útil a sistematização e divulgação das idéias sobre sua aplicação. Todos os pensamentos e reflexões aqui expressados estão totalmente em aberto e esperam ser aprimorados coletivamente com o debate que eles mesmos possam gerar. Consideramos que é estimulando a implementação do direito de consulta prévia nas diferentes instâncias em que ele deveria operar que será possível avaliar seu verdadeiro poder como instância de articulação e coordenação política entre Estado e povos. Por esse motivo, o presente texto,  assim como o restante deste especial, é um convite para lutar por preencher de conteúdo emancipador a aplicação do mesmo.

 

Veja aqui uma análise comparada das regulamentações sobre consulta prévia na América do Sul.

 

Notas de rodapé

[1] Comición de Expertos en Aplicación de Convenciones y Recomendaciones (CEACR): Observación individual sobre el Convenio núm. 169, Pueblos indígenas y tribales, 1989 Bolivia (ratificación: 1991) Publicación: 2005

[2] Doc. GB 276/17/1, GB. 282/14/3. Parágrafo No. 90

[3] Declaração de Carlos Viteri Gualinga, indígena kichwa (provincia de Pastaza, amazônia equatoriana), sobre o conflito existente no território indígena Sarayaku com a companhia petroleira CGC, 2003. Citado In: DE LA CRUZ, Rodrigo. Descripción De La Comprensión Corriente Del Consentimiento Libre, Previo E Informado De Los Pueblos Indígenas Como Un Asunto Metodológico, En Las Actividades Relacionadas Con Pueblos Indígenas: Significado Y Desafíos. Department Of Economic And Social Affairs Division For Social Policy And Development Secretariat Of The Permanent Forum On Indigenous Issues. Taller Técnico De Las Naciones Unidas Sobre El Consentimiento Libre, Previo E Informado De Los Pueblos Indigenas. Nueva York, 17 - 19 de enero de 2005.

[4] Doc. GB. 277/18/4, GB. 282/14/2. Parágrafo 44.

[5] Sobre estes ponto vale a pena destacar precendentes judiciais nesse sentido. Corte Constitucional Colombiana, sentença C-891 de 2002:

“Esto significa que, al consultarlos, los gobiernos deben proporcionarles información apropiada y completa, que pueda ser comprendida plenamente por los pueblos indígenas y tribales. Asimismo, los gobiernos no pueden consultar a cualquiera que declare representar a la(s) comunidad(es) afectada(s). Las consultas deben emprenderse con organizaciones/instituciones genuinamente representativas, que están habilitadas para tomar decisiones o hablar en nombre de las comunidades interesadas. Por consiguiente, los gobiernos, antes de iniciar las consultas, deben identificar y verificar que las organizaciones/instituciones con las que tienen previsto tratar cumplan con estos requisitos.” (grifos nossos).

 

 

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AnexoTamanho
Declaraçao da ONU sobre povos_indígenas212.01 KB
Corte Constitucional Colombiana Sentença C-208 2007597.76 KB
Corte Constitucional Colombiana Sentença-SU 039 97592.71 KB
Indigenous peoples inclusion in development and the ILO´s machinery of consultation.Isabela Figueroa_2007.doc150.5 KB
Indiguenous peoples and Right to FPIC. International Human Rights_2007.doc151 KB
Consentimiento libre previo e informado como un asunto metodológico en las actividades relacionadas con pueblos indígenas: significados e desafios. Rodrigo de la Cruz_2005sp.doc109.5 KB