Povos indígenas e tribais: sujeitos de direitos e não mais objetos de intervenção
A consulta prévia sobre medidas administrativas de caráter geral, como aquelas referentes a definição de políticas públicas para os povos indígenas e tribais, além de um direito dos povos e uma obrigação dos Estados, é um princípio de eficácia administrativa, que traz consigo um tipo particular de atuação pública. A consulta prévia, neste tipo de caso, implica a possibilidade dos povos de influenciar o planejamento, definição, implementação e avaliação de políticas públicas para eles construídas. A consulta prévia de decisões administrativas demanda um procedimento atípico ao interior da máquina burocrática, que envolve planejamento e recursos a longo prazo. Para assumir seriamente a aplicação do direito de consulta, é preciso reconhecer que o processo de tomada de decisões participativas é muito mais dispendioso, oneroso e longo que as decisões adotadas unilateralmente. Em compensação, aquelas medidas que permitem ser influenciadas desde a sua concepção pelos seus destinatários têm, evidentemente, maior chance de eficiência na implementação.
A Convenção 169 da OIT predispõe que os povos interessados não são mais os depositários de decisões unilaterais se não sujeitos de direito com voz própria. O princípio da autodeterminação dos povos irradia toda a Convenção e é pré-requisito indiscutível da aplicação da consulta prévia. Assim, a mencionada Convenção pretende eliminar atitudes paternalistas das relações do Estado com os povos indígenas e tribais, enfatizando que somente estes podem, legitimamente, decidir o que consideram benéfico, ou não, para si mesmos. Desta forma, a Convenção dispõe: “Artigo 4o. 1) Medidas especiais, necessárias à salvaguarda de pessoas, instituições, bens, culturas e meio ambiente desses povos deverão ser adotadas. 2) Essas medidas especiais não deverão contrariar a vontade livremente expressa desses povos. 3) O gozo, sem discriminação, dos direitos gerais de cidadania não será, de nenhum modo, prejudicada por essas medidas especiais.”
Compreendida a consulta prévia de políticas públicas como um princípio da administração pública, é muito importante não confundir o direito de consulta dos povos interessados com os espaços de participação cidadã permanentes, nos quais estes povos têm vagas garantidas. Ou seja, deve-se diferenciar entre a consulta de uma medida específica e a participação de representantes dos povos nos, cada vez mais freqüentes, conselhos e comissões de participação cidadã, com objetivos e funções independentes das consultas citadas no artigo 6º da Convenção 169.
De qualquer forma, este é um tema que apenas está começando a ser discutido e no qual o Brasil tem muito a contribuir por sua experiência em mecanismos de participação na definição de políticas públicas, principalmente, para povos indígenas. Bons exemplos são as políticas públicas relativas à prestação de serviços de saúde, com os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, ou a recém-criada Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) que está realizando uma experiência inédita de articulação da ação do Estado brasileiro com relação aos povos indígenas.
Devido à complexidade do tema e à necessidade de desenvolver análises mais elaboradas a esse respeito, este especial, por enquanto, avança na colocação de experiências que possam ajudar a identificar elementos de auxílio na implementação e institucionalização deste direito no Brasil. Por estas razões, convocamos os interessadas em debater o tema a atualizar os documentos aqui compilados e as idéias aqui expostas.