Artigos assinados http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=taxonomy/term/8/all pt-br A destruição como desforra http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/548 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Ana Valéria Araújo </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">03/05/2009</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> OESP </div> </div> </div> <p><i>Resposta ao arrozeiro que apela para a 'terra arrasada' em reserva indígena dirá se temos, de fato, uma Constituição a nos guiar</i></p> <p>O Brasil inteiro acompanhou nos últimos tempos a saga do conflito envolvendo índios e arrozeiros que disputavam a posse da Terra Indígena Raposa Serrado Sol, em Roraima. A disputa trouxe à tona todos os argumentos contrários ao reconhecimento dos direitos indígenas no País, como por exemplo: há muita terra para pouco índio; terras indígenas em faixa de fronteira ameaçam a soberania nacional; índios precisam ser integrados à sociedade nacional e suas terras utilizadas em prol do desenvolvimento econômico. O epicentro desse debate se deu no Supremo Tribunal Federal (STF), que analisava pedido do governo de Roraima, dos arrozeiros e de políticos locais para que a demarcação daquela terra indígena fosse anulada. Os autores da ação argumentavam que os índios, quando muito, teriam direito a ficar confinados em pequenas ilhas de terras, para que a maior parte da extensão da Terra Indígena Raposa Serra do Sol fosse liberada para a ocupação, legitimando-se assim a posse daqueles que haviam invadido o território, usurpando direitos indígenas.</p> <p>Em março deste ano, o STF decidiu em favor dos índios, determinando prazo para a desocupação da área. A decisão pôs uma pá de cal sobre os argumentos contrários, reconhecendo que a demarcação de terras indígenas é um imperativo nacional decorrente da necessidade de o País preencher seus hiatos civilizatórios, celebrando pactos de paz com segmentos sociais que historicamente tiveram seus direitos negados. O relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, afirmou em seu voto que a sociedade, de quem se exige solidariedade e humildade, precisa entender que seu convívio com os índios é uma estrada de mão dupla, que beneficia todos. Para o ministro, é a humildade que "refreia e dissipa de vez todo ímpeto discriminatório ou preconceituoso contra os indígenas, como se eles não fossem os primeiros habitantes de uma Terra Brasilis cuja integridade física tão bem souberam defender no curso da nossa história de emancipação política...".</p> <p>Quem esperava que a decisão do STF fosse o fim da disputa, por se tratar da última e mais importante instância do Poder Judiciário em nosso país, surpreendeu-se com os episódios dessa semana, quando o principal líder dos invasores da Raposa Serrado Sol, o arrozeiro Paulo César Quartiero, não só afirmou que não vai sair do local no prazo determinado, como destruiu sede, galpões, rede de eletricidade, sistema de irrigação e tudo mais que pudesse vir a ser utilizado pelos índios após sua saída. Além da atitude de confronto com o STF, o ato de destruição tem um caráter perverso de política de terra arrasada, próprio de quem declara guerra a seus inimigos e procura inviabilizar sua existência. Era, por exemplo, o que se fazia nas guerras travadas na Antiguidade, onde era costume salgar o solo do inimigo para que ele não pudesse colher nem mais um fruto daquela terra. Era também esse o costume colonial, quando se queria punir os inimigos do rei. A coroa portuguesa, quando puniu Tiradentes em 1792, além de esquartejá-lo mandou que arrasassem sua casa e salgassem o terreno onde ela estava, para que os seus descendentes jamais pudessem viver ali.</p> <p>Quartiero destruiu benfeitorias que se achavam sob investigação judicial. Tramita na Justiça Federal em Roraima uma ação em que se discute o pagamento das indenizações eventualmente devidas aos invasores da Raposa Serra do Sol. A Funai inclusive já havia depositado no processo o valor do pagamento dessas indenizações. Ao fazer isso, Quartiero acrescenta mais um item ao rol de sua extensa folha de antecedentes policiais, que inclui crimes ambientais como a poluição de rios e a destruição de matas nativas na terra indígena, além do envolvimento no episódio de maio de 2008, quando dez índios foram feridos à bala pelos seus capangas. Conforme amplamente noticiado pelos jornais à época, Quartiero comandou a desobediência às tentativas do Executivo e do Judiciário de pacificar o conflito dentro da Raposa, sendo responsável, dentre outras coisas, por impedir o trabalho da Polícia Federal no local, com a destruição de pontes e estradas, além da utilização de bombas e armamentos pesados.</p> <p>Neste momento, diante da coleção de atos criminosos de Quartiero, não se pode deixar de perguntar: qual a resposta que será oferecida pelo Estado? Que fará o Poder Judiciário? Que atitudes adotará o Poder Executivo? A qualidade da ação do Estado definirá o espaço de garantia do efetivo exercício da cidadania no Brasil. </p> <p>O filósofo Frédéric Gros, ao falar sobre os novos tipos de violência no mundo moderno, resgata o conceito de que esses atos são remanescentes de uma barbárie que "ressurge da natureza arcaica do homem", e indaga se se trata mesmo de ações isoladas, como alguns alegam, ou se essas na verdade integram o repertório das violências que configuram o drama da sociedade nos dias atuais. A resposta que será dada pelo Estado brasileiro no caso de Quartiero dirá se a barbárie em nosso país é rechaçada pela sociedade ou se subsiste como um traço indelével do caráter nacional. Isso vai dimensionar nossa capacidade de atender ao que está escrito no preâmbulo da Constituição Federal, que afirma que o Brasil é "uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos". </p> <p><i>Ana Valéria Araújo, advogada, mestre em Direito Internacional pelo Washington College of Law sócia-fundadora do Instituto Socioambiental e coordenadora executiva do Fundo Brasil de Direitos Humanos</i></p> <p><strong>OESP, 03/05/2009, Aliás, p. J7.</strong></p> Artigos assinados Tue, 05 May 2009 16:58:22 +0000 leila 548 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa Aldo, o bandeirante vermelho http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/557 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> José Ribamar Bessa Freire </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">19/04/2009</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Diário do Amazonas </div> </div> </div> <p>Hoje, Dia do Índio, convém discutir aqui os artigos escritos recentemente pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Ele jura que a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é "um grande equívoco que agride o interesse nacional". Defende a permanência dos arrozeiros de Roraima na área, argumentando que eles "ocupam a terra e a fazem produzir riquezas em benefício de todos". Ataca os índios - a quem chama de "silvícolas", por impedirem "que floresça a vivificação clássica penosamente iniciada pelos bandeirantes para sinalizar a posse inalienável do território".</p> <p>Que diabos vem a ser "vivificação clássica"? Isso se come com farinha? Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o bandeirante vermelho do século XXI, não explica, mas reclama que "até as pedras sabiam que o Supremo iria manter a desastrada decisão do Executivo de agredir a formação social brasileira ao expulsar os não-índios". Por isso, formulou projeto de lei, propondo que a partir de sua aprovação, toda e qualquer demarcação seja homologada pelo "Congresso Nacional, última instância da soberania popular, que tem o dever de reparar este erro calamitoso do Executivo e do Judiciário".</p> <p>Ou seja, se aprovado tal projeto, feito em cumplicidade com Ibsen Pinheiro (PMDB - vixe, vixe!), quem deve decidir se os índios têm direito à terra são os deputados Fábio Faria - aquele ex-namorado da Adriane Galisteu - Edmar Moreira, o dono do Castelo, Inocêncio Sagrada Família Oliveira, além da bancada ruralista e dos responsáveis pela farra de passagens, que gastaram R$ 80 milhões de verbas públicas em bilhetes aéreos e aluguel de jatinhos, voando até para o exterior com família e xerimbabos. Nas mãos e nos bolsos desses indivíduos "insuspeitos", de conduta 'ilibada', ficará o destino dos índios.</p> <p>O bandeirante vermelho foi mais longe: numa afronta clara ao STF, anunciou visita de solidariedade aos arrozeiros. Os guerrilheiros tombados no Araguaia tremeram em seus túmulos. Foi para isso que eles imolaram suas vidas? Para que um deputado de seu partido se transformasse em office-boy - perdão, é um estrangeirismo - em moleque de recados dos grileiros e do agronegócio? Para que esse deputado esgrimisse contra os índios os mesmos argumentos usados pelos militares contra os combatentes do Araguaia de que atentam contra a soberania e a segurança nacional?</p> <p>Aldo Rebelo, cujo projeto proíbe que os índios - os arrozeiros não! - ocupem a faixa de fronteira, jura que os direitos indígenas garantidos pela Constituição de 1988 conflitam com os interesses nacionais, comprometem a soberania da Pátria e ameaçam "implantar no Brasil um Estado multiétnico e uma Nação balcanizada". Tamanha obtusidade sugere que o deputado ficou assim porque comeu coquinho de caroço de tucumã. Até as pedras, os postes e as antas sabem que os índios não são donos das terras que ocupam - elas são propriedades da União - e o que é bom para os índios, é bom para o Brasil.</p> <p>Aldo só é coerente quando, para defender os arrozeiros, invoca a ação histórica dos bandeirantes, que formavam o esquadrão da morte rural, responsável pelo extermínio dos índios, sem qualquer preocupação em ampliar o território brasileiro. O que queriam era caçar índios para vendê-los como escravos. Os arrozeiros também estão se lixando para o Brasil, querem apenar lucrar. Para isso, invadiram terras indígenas, queimaram malocas, poluíram rios, agrediram o meio-ambiente e destruíram espécies animais e vegetais. Aldo vê interesse nacional ali onde só existe o negócio privado.</p> <p>O projeto da dupla Aldo/Ibsen com uma canetada descarta os índios do mapa do Brasil. Lembra Paulo de Frontin (1860-1933), ex-prefeito do Rio, no Quarto Centenário do Brasil. No discurso de abertura das comemorações, em 4 de maio de 1900, ele declarou: "O Brasil não é o índio; este, onde a civilização ainda não se extendeu, perdura com os seus costumes primitivos, sem adeantamento nem progresso.(...)Os selvícolas, esparsos, ainda abundam nas nossas magestosas florestas e em nada differem dos seus ascendentes de 400 anos atrás; não são nem podem ser considerados parte integrante da nossa nacionalidade; a esta cabe assimila-los e, não o conseguindo, eliminá-los".</p> <p>Com nova ortografia, mas com as mesmas palavras, esse é o discurso de Aldo Rebelo. Por onde ando, nas salas de aula, na universidade, nas aldeias indígenas, está todo mundo "pê" da vida com o bandeirante vermelho, porque ele está sujando e emelecando o PCdoB, um partido que nos deu grandes militantes como Vanessa Graziottin, no Amazonas, e Jandira Fegalli, no Rio de Janeiro, em quem tenho orgulho de ter votado. Aldo defende a ordem econômica que até Obama critica. Por isso, a raiva da gente é maior, como lembra aqui meu amigo Daniel Munduruku, um "silvícola" que cursa doutorado na USP, cuja carta reproduzo a seguir.</p> <p><i>José Ribamar Bessa Freire</i></p> <p>Uma carta para Aldo</p> <p>Prezado Aldo (penso que posso chamá-lo assim já que você me chama de eleitor). Fiquei abismado - como eleitor seu que sou desde bastante tempo - ao ler um artigo que circula pela internet, assinado com seu nome. Para melhor compreender sua posição gostaria de fazer três perguntas básicas.</p> <p>Minha primeira questão: o artigo é seu mesmo? Não terá alguém escrito e você assinado como sempre acontece no Congresso brasileiro e, pior, sem ler? Minha pergunta procede porque não consigo acreditar que o deputado que escolhi para me representar - sou um indígena brasileiro morando em São Paulo - e cuja atuação política para mim foi sempre ilibada, tenha um pensamento tão quadrado como o capitalismo que ambos "rejeitamos" ideologicamente. Ou será que o nobre deputado terá cedido ao "canto da sereia"?</p> <p>Segunda questão: Você conhece as populações indígenas brasileiras na sua essência ou é apenas mais um dos tantos brasileiros que aprendeu na escola que índio é um empecilho ao progresso? Pergunto tal coisa porque os seus argumentos contra a homologação da Raposa são tão pobres que quase me envergonho do meu voto. Eles mostram que MEU deputado é tão vazio quanto os estereótipos, os preconceitos e as balelas colonialistas que ainda grassam por nossa pátria. Pensei ter votado num aliado de nossas causas, mas também - parece - cometi um erro.</p> <p>Terceira questão: Quem é você de verdade? Você mudou ao longo de sua trajetória política? Pensa agora como um militar? Pensa agora como um empresário do setor agrícola? Você tem sociedade com algum desses malfeitores do território brasileiro e que são chamados de heróis (tipo: bandeirantes dos séculos passados, arrozeiros, madereiros, garimpeiros, mineradores, latifundiários)?</p> <p>Por favor, me convença que não cometi um erro. Me convença de que minha visão a seu respeito está errada. Me convença de que sabe que as pedras são tão inteligentes quanto você. Me convença que a população de São Paulo está bem representada por um político idôneo, inteligente, humano (no sentido filosófico e não no econômico). Me convença que valeu a pena escolhê-lo no meio de tantos políticos.</p> <p>Sei que você poderá pensar que sou apenas um eleitor, que não fará diferença a minha crença em sua pessoa, que nada mudará se eu acreditar ou não em você. Não me importo. O que me importa mesmo é poder acreditar que ainda vale a pena acreditar na política. Sua resposta poderá se vital para você mesmo. Sem mais para o momento fico no aguardo de sua resposta. Daniel Munduruku.</p> <p>Índios e nação (6/4/09); O erro em Roraima (29/03/9); Decisão sobre Raposa agride interesse nacional (29/3/09); Os índios e a Doutrina Melo Franco(17/2/09) publicados em O Globo, O Estado de São Paulo e no órgão do PCdoB - Vermelho.</p> <p><strong>Diário do Amazonas, 19/04/2009, Taqui pra ti.</strong></p> Artigos assinados Thu, 07 May 2009 19:20:10 +0000 leila 557 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa Índios e nação http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/522 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Aldo Rebelo </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">06/04/2009</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> O Globo </div> </div> </div> <p>A reserva de grandes áreas para usufruto exclusivo de índios em zonas de fronteira gera duas preocupações. De um lado, potencializa a vulnerabilidade da soberania nacional, de vez que abre caminho para que as tribos isoladas sejam usadas como massa de manobra por ONGs e organismos estrangeiros interessados em internacionalizar, se não toda, larga parte da faixa fronteiriça da Amazônia brasileira. De outro, se é imperativo respeitar os direitos históricos dos índios, o poder público tem tratado o problema de forma particularista, com viés étnico e abordagem unilateral, capazes de reintroduzir na sociedade uma intolerância aos índios que não interessa à unidade da nação. </p> <p>É inquietante que muitos brasileiros de boa-fé, partidários da causa indígena, demonstrem irritação com episódios como a demarcação de 9,6 milhões de hectares (a área do Líbano) para os ianomâmis, no Amazonas e em Roraima, e, agora, mais 1,7 milhão de hectares na reserva de Raposa Serra do Sol, para cinco tribos de Roraima.</p> <p>Se seguirmos o modelo histórico de ocupação do território, baseado em nossa formação étnica tripartite, veremos que o respeito às prerrogativas dos índios não pode implicar desproteção de regiões tão cobiçadas como a Amazônia, impedindo-se, como agora se impede, a vivificação das zonas de fronteira que tradicionalmente se faz pela presença não só do Estado como sobretudo de empreendedores não índios, a exemplo dos agricultores de Roraima, que ocupam a terra e a fazem produzir riquezas em benefício de todos. Fronteiras ricas e ermas aguçam a ambição alheia. Foi com uma ocupação precária que consolidamos o território deste país continental, inclusive anexando a maior parte da Amazônia que, pelo Tratado de Tordesilhas, pertencia à Espanha. </p> <p>Urge tratarmos o assunto com a sabedoria necessária para não estigmatizar os índios como vilões, tampouco apequená-los como vítimas que uma certa Historiografia e Antropologia jogam num vale de lágrimas da História do Brasil. Nosso caldeirão cultural incorpora em vez de segregar. O destino de todos, dos índios ao mais recente imigrante, é se integrarem na sociedade nacional. A esse ideal dedicou-se o Humanismo de nossas inteligências mais poderosas, de José Bonifácio a Darci Ribeiro, do Marechal Rondon aos Irmãos Vilas Boas. </p> <p>Como reconheceram os intérpretes mais certeiros, a começar por Gilberto Freire, os índios figuram entre os construtores do Brasil. De seu seio saíram homens de Estado, como Arariboia, parceiro de Estácio de Sá na expulsão dos franceses e consolidação do Rio de Janeiro, no século XVI, e Poti, ou Antônio Filipe Camarão, herói da guerra aos holandeses no século XVII -- ambos agraciados com o título de Dom e capitão-mor pela Coroa portuguesa. Mesmo os guerreiros que se opuseram à colonização lusa, como os tuxauas tamoios, Cunhambebe, aliado dos franceses, e o manao Ajuricaba, são heróis do eclético panteão nacional: lutaram com bravura, e ao menos Ajuricaba, ao preferir o suicídio à prisão, constelou na morte o lema de José Bonifácio de que "a liberdade é um bem que não se pode perder senão com o sangue". </p> <p>Séculos depois desses episódios, a nação é uma só. Não podemos correr o risco de abrigar um Estado multinacional e uma nação balcanizada. Ao contrário: conjugando isonomia e respeito às diferenças, podemos comemorar o saldo amalgamado de índios, brancos e negros que forjaram o povo brasileiro. </p> <p>Cada tentativa de conferir superioridade de qualquer tipo a um deles deve ser repudiada. Nesse conflito, não ocorre o dilema de escolher entre irmãos o que será ungido e o que será imolado, pois as soluções devem atender e beneficiar todos e sobretudo ao interesse geral de um país forte, justo e democrático no engrandecimento de seu povo. </p> <p><i>Aldo Rebelo, deputado federal (PCdoB-SP)</i>. </p> <p><strong>O Globo, 06/04/2009, Opinião, p.7.</strong></p> Artigos assinados Mon, 06 Apr 2009 19:03:48 +0000 leila 522 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa Resposta ao artigo 'Solidariedade?' http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/523 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Aldo Rebelo </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">04/04/2009</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> FBV </div> </div> </div> <p>A propósito do artigo de Jessé Souza, com o título "Solidariedade?", publicado na edição de 03 de abril deste jornal, cabe-me oferecer o ponto de vista de que o estado de Roraima tem nestes dias um fato a comemorar e outro a lamentar. Comemoramos com todos os brasileiros de boa-fé a demarcação da terra indígena de Raposa-Serra do Sol, garantia constitucional pelo qual tanto nos batemos em defesa dos índios. A lamentar está o fato de a demarcação ter sido feita à revelia do processo histórico, opondo brasileiros como se inimigos fossem, quando a grandeza do território, e mais que isso, o interesse nacional mais amplo aconselhavam uma solução que acomodasse todos os irmãos envolvidos no conflito. Os não índios reivindicam menos de 5% da área que foi reservada aos índios.</p> <p>O articulista me aconselha a cuidar dos problemas de São Paulo, entre estes os dos índios guaranis que sobrevivem a duras penas na capital do estado. Já estive na aldeia, testemunhei a penúria da tribo, mas me chamou a atenção a rigorosa ausência de qualquer organização, inclusive da imprensa, para defender aqueles brasileiros tão desamparados. Não há uma só ONG a pugnar pelos índios que vivem em São Paulo, talvez porque as diminutas terras que ocupam não sejam ricas em recursos naturais nem se estendam em faixa de fronteira que possa ser amanhã declarada território autônomo e apartado da Nação e do Estado brasileiros, como tememos que vá ocorrer em Roraima.</p> <p>Minha visita atual a Roraima, antes de ser uma afronta aos índios e seus paladinos e ao Supremo Tribunal Federal, insere-se na defesa intransigente de minhas idéias, que, em verdade, têm lastro na formação do Brasil e se perpetuaram nas iniciativas de José Bonifácio, Marechal Rondon e Darci Ribeiro na proteção e integração do índio à sociedade nacional. Não é a primeira vez que venho aqui. </p> <p>Já sabíamos que em Roraima implantou-se a extravagância de índios, brancos, caboclos, pardos, negros ou mulatos não poderem conviver fraternalmente na mesma terra. Casais foram apartados. Moradores octogenários são expulsos do lar que seus antepassados construíram há mais de um século. A novidade que o articulista parece querer introduzir é a de impedir que eu circule em Roraima por ser deputado de São Paulo. Este é o perigo de uma corrente de pensamento antinacional que nega a grandeza do Brasil e a generosidade do seu povo. O País acolheu imigrantes de todos os cantos do mundo e não tem porque agora discriminar brasileiros em seu torrão natal.</p> <p><i>Aldo Rebelo, alagoano e deputado federal pelo PCdoB-SP</i></p> <p><strong>Folha de Boa Vista, 04/04/2009, Opinião.</strong></p> Artigos assinados Mon, 06 Apr 2009 19:20:40 +0000 leila 523 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa Solidariedade?! http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/519 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Jessé Souza </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">03/04/2009</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Folha de Boa Vista </div> </div> </div> <p>O anúncio da vinda do deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP) a Roraima, no domingo, é carregado de significado. O primeiro deles trau-se por uma afronta aos 10 ministros da Corte Suprema do País, que decidiram pela constitucionalidade da terra indígena Raposa Serra do Sol.</p> <p>A outra interpretação é que ele vem trazer o desprezo às populações indígenas de Roraima, que depois de três décadas de luta conseguiram fazer valer a Constituição Federal. Vir aqui em "visita de solidariedade" às autoridades roraimenses é mais que afronta.</p> <p>Rebelo deveria estar preocupado com os caos em São Paulo: o trânsito maluco, a violência, o rio Tietê, a poluição do ar, a corrupção gigantesca de lá (cujo símbolo maior é Maluf).</p> <p>Se preferir questão indígena, o parlamentar paulista deveria estar muitíssimo preocupado com os índios Tupi-Guarani de lá, últimos remanescentes das populações tradicionais que acolheram com ouro e pau-brasil a caravela de Cabral no achamento do Brasil.</p> <p>Até as pedras sabem que os Tupi-Guarani sofrem e penam por abandono governamental, mas o "comunista" de lá está preocupado com os neo-coronéis do agronegócio daqui, que insistem em não querer respeitar a Suprema Corte e esperneiam para não deixar a terra que eles ocuparam sem pagar nada, com isenção de impostos, tapete vermelho, mirra e ouro oferecidos pelo governo local.</p> <p>Se a reserva yanomami e a reserva Raposa Serra do Sol fossem entregues ao agronegócio, a multinacionais do minério, a japoneses, a gregos e troianos, todos (políticos e elite econômica) estavam brindando com seus uísques e champanhes importados.</p> <p>Mas, como se trata da garantia da terra aos índios e o domínio irreversível da União, eles não admitem, assim como faz o deputado paulista que deveria estar preocupado com sua selva de pedra cheia de problemas que afligem o Brasil e atentam contra a verdadeira soberania brasileira, diante do entreguismo econômico e financeiro.</p> <p>Aldo Rebelo foi citado algumas vezes no voto-delírio do ministro Marco Aurélio, que fez em seu voto uma técnica conhecida de estudantes preguiçosos e relapsos: uma "colagem" ou Ctrl C+Cltl V.</p> <p>O ministro, em seu discurso inflado que transpirava sabedoria acima dos oito ministros que já tinham votado, pegou vários textos anti-indígenas e falso nacionalistas (inclusive do próprio "comunista") e "colou" no seu voto.</p> <p>Fez "Control C/Control V" de opiniões publicadas em jornais paulistas e trechos de comissões do Senado e da Câmara (que nunca se preocuparam em contratar um antropólogo) enviadas insistentemente para Roraima, como Portugal fazia com o Brasil colônia. Achou que estava redescobrindo a pólvora do falso nacionalismo.</p> <p>Rebelo e Aurélio se merecem. Assim como São Paulo merece o Tietê, vergonha mundial a apontar o que a agressão a meio ambiente é capaz de produzir; e mostra, na sala de estar paulista, a incompetência de lidar, sequer, com meio ambiente e com índios remanescentes que pedem socorro.</p> <p>O deputado Rebelo faria um bem a Roraima se fosse cuidar de seu Estado, que massacra estados pequenos economicamente como nosso, já tão pisoteado por falsos nacionalistas e saqueados por corruptos assanhados.</p> <p><i>Jessé Souza, articulista</i></p> <p><strong>Folha de Boa Vista, 03/04/2009, Opinião.</strong></p> Artigos assinados Fri, 03 Apr 2009 18:55:32 +0000 leila 519 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa Os índios e a soberania nacional http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/503 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Merval Pereira </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">26/03/2009</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> O Globo </div> </div> </div> <p>Para o ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, que decidiu ontem que os arrozeiros terão que deixar a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, até 30 de abril, cabe agora às Forças Armadas "tirar partido dos índios, tirar proveito da presença deles, que conhecem essa terra virginalmente, para auxiliar na defesa do território brasileiro". O ministro, que foi o relator do processo da demarcação da reserva, uma área contínua de 1,7 milhão de hectares, homologada pelo governo federal em abril de 2005, onde vivem 18 mil índios das etnias Macuxi, Wapichana, Patamona, Ingaricó e Taurepang, acha que "ninguém conhece as entranhas do país, as fronteiras do Brasil, melhor do que os índios. É preciso inculcar neles aquilo para o que já têm predisposição, o sentimento de brasilidade, tratá-los como brasileiros que são".</p> <p>Ayres Britto recorda uma frase que ouviu de um índio: "Nós estávamos aqui antes de a noite nascer", e comenta: "É muito bonito isso. Quem estuda a história do Brasil constata que eles estavam aqui há 15 mil anos". </p> <p>Ele considera que o Supremo construiu "uma decisão reveladora do regime constitucional dos índios, e que define que faixa de fronteira é compatível com terra indígena". </p> <p>A decisão do Supremo, que teve base em seu voto de relator, reconhece que a faixa de fronteira é de especial interesse da segurança nacional, "mas a soberania nacional não fica fragilizada pelo fato de haver índio ocupando a faixa de fronteira". </p> <p>Até porque, historicamente, ressalta Ayres Britto, "os índios ocuparam mesmo o mais das vezes faixas de fronteiras, e sempre operaram como uma espécie de muralha". Ele lembra que, "antigamente, até se dizia `a muralha do sertão', uma muralha humana. Os estrangeiros não conseguiam entrar no território nacional porque os índios reagiam". </p> <p>O relator destaca que uma das passagens mais explícitas do seu voto é "a impossibilidade de índio cobrar passagem, bloquear estradas, dificultar o trânsito das Forças Armadas, das autoridades policiais". </p> <p>Ele entende que os arrozeiros "precisam de um tempo para sair do território, têm gado lá, equipamentos agrícolas pesados". E diz que sentiu que eles acham "muito injusto sair assim de afogadilho, deixando inclusive as plantações". </p> <p>Mas aguardar a colheita traria vários inconvenientes, comenta Ayres Britto, para quem "segurar esses índios por três, quatro meses não seria fácil, é uma luta de 32 anos". </p> <p>Como as chuvas começam em maio, e dificultariam enormemente a remoção tanto do gado quanto dos equipamentos pesados, Ayres Britto propôs ao governo indenizar a colheita e criar um programa de seguro de desemprego para os trabalhadores que estão lá, "em homenagem à situação emergencial". </p> <p>O governo fará a colheita e dará a ela uma destinação social. Com isso, a Polícia Federal já pode entrar na área para assegurar a tranquilidade da saída dos arrozeiros. </p> <p>Também órgãos estatais já podem fazer levantamento de campo. O Ibama tem um plano de saída dos arrozeiros que minimiza o impacto ambiental, porque a remoção de milhares de cabeças de gado e equipamentos pesados pode operar como fator de desagregação ambiental. </p> <p>Lá há igarapés, rios, e o Ibama quer entrar para fazer um levantamento da degradação ambiental já ocorrida, o que parece ser verdade: há agrotóxico nas correntes de água, desmatamento. </p> <p>Ayres Britto diz que há denúncias de que em uma das fazendas do líder dos rizicultores, o ex-prefeito de Pacaraima Paulo César Quartiero, nos últimos tempos oito mil hectares de mata foram devastados, e o Ibama quer documentar tudo isso. </p> <p>Como relator do processo, Ayres Britto não considera que o Supremo tenha assumido posição ativista nesse caso, no sentido de ir além da lei, de preencher um espaço que o Legislativo deixou em branco. </p> <p>"O ministro Carlos Alberto Direito, de maneira muito criativa, fez migrar para a parte deliberativa da decisão os fundamentos e os anteparos constitucionais que eu indiquei no meu voto. Deu visibilidade e melhor condição de operacionalidade, mas não houve inovação de conteúdo", esclarece. </p> <p>Reconhecendo "o caráter histórico da causa, a complexidade da decisão, a repercussão que a decisão teria", o ministro Direito, "muito inteligentemente, elaborou aquele catálogo, à feição de um estatuto", analisa Ayres Britto. </p> <p>Lembrando que todas as questões delicadas contidas nas 18 exigências estabelecidas na decisão final do Supremo faziam parte de seu voto de relator, Ayres Britto ressalta que todas elas estão contidas na Constituição: a faixa de fronteiras; a posição das Forças Armadas, de poderem transitar livremente pelo território indígena e implantar ali seus batalhões, seus equipamentos, suas instalações; a questão ambiental; a Polícia Federal poder exercer sua função de polícia de fronteira sem a autorização dos índios; o usufruto dos índios que não alcança os minérios. </p> <p>Esses fundamentos e anteparos, Ayres Britto foi buscar na Constituição, que, segundo ele, "foi pródiga no trato da questão indígena. Contém nada menos que 18 dispositivos, ora no capítulo próprio, ora no seu corpo normativo". "Eu dissequei cada um desses dispositivos para concluir pelo reconhecimento do direito originário dos índios, e pelo formato contínuo, único compatível com o direito constitucional conferido às etnias indígenas". </p> <p>O governador de Roraima Anchieta Junior, do PSDB, sempre disse que, uma vez definida a questão, ajudaria. "Quero ver se o governador entra no circuito como protagonista. Ele é muito chegado aos arrozeiros, a classe política de Roraima está unida, não simpatiza com a questão indígena, o que compreensível. Mas, como o Supremo decidiu, agora é cumprir, evitando os traumas", define Ayres Britto. </p> <p><i>Merval Pereira</i></p> <p><strong>O Globo, 26/03/2009, O País, p.4.</strong></p> Artigos assinados Thu, 26 Mar 2009 18:49:32 +0000 leila 503 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa Os índios e a Doutrina Melo Franco http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/478 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Aldo Rebelo </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">17/02/2009</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> OESP </div> </div> </div> <p>O debate acerca da demarcação de áreas continentais em zonas de fronteira para uso exclusivo de grupos indígenas pode ser enriquecido pelo resgate dos conceitos que o brasileiro Afrânio de Melo Franco formulou na Liga das Nações na década de 1920. Num período em que a Europa redesenhava o mapa-múndi a partir dos escombros do Império Austro-Húngaro e da 1ª Guerra Mundial, Melo Franco alertou para o equívoco de certas teorias de emancipação de minorias na sociedade nacional. Formulou uma doutrina geopolítica, ainda atual e válida para ser aplicada num cenário em que a causa indígena pode vir a ser massa de manobra de interesses estrangeiros na cobiça de nosso território.</p> <p>Antes de examinar a tese de Melo Franco é necessário observar o jogo de suposta proteção aos índios que se trava no Brasil. Se é essencial respeitar o sagrado direito dos silvícolas às terras que "tradicionalmente ocupam" - aqui reafirmado como um princípio, não uma ressalva -, convém não o confundir com a série de distorções que demarcações desastradas de reservas têm gerado no xadrez da formação social brasileira, à revelia do processo histórico de ocupação do território por nacionais de todos os matizes. Pulsa na sociedade uma rejeição indignada ao erro estratégico de se esterilizarem áreas de fronteira, nelas implantando reservas indígenas isoladas da sociedade nacional e impedindo que floresça a vivificação clássica penosamente iniciada pelos bandeirantes para sinalizar a posse inalienável do território.</p> <p>O caso em discussão da Raposa-Serra do Sol, em Roraima, onde a União confinou 1,7 milhão de hectares para cinco tribos, e expulsou os não-índios, é o mais preocupante. </p> <p>Destacam-se, no entanto, precedentes que incubam incertezas para o futuro, a exemplo do país dos ianomâmis, nada menos que 9,6 milhões de hectares demarcados para aproximadamente 7 mil índios, que se estendem no Amazonas e em Roraima, em larga faixa de fronteira com a Venezuela. Muitas vozes se levantaram contra tanta extravagância, mas uma em especial, a do sertanista Orlando Villas-Boas, morto em 2002, nos conduz à reflexão, por partir de um homem que nada fez na vida além de amar os índios. Numa entrevista à TV Cultura, Villas-Boas acusou ONGs americanas de aliciarem ianomâmis para criar um "contencioso internacional com o objetivo de fazer com que a ?comunidade internacional? declare a criação de um Estado índio", e indagou: "Vocês pensam que eles fazem isso por amor aos ianomâmis? Não. Fazem isso porque em Roraima estão as maiores reservas de urânio do mundo."</p> <p>A sedução das tribos inclui apoio internacional às suas causas, vinculação a instituições estrangeiras, patrocínio de projetos nas aldeias, descrédito no Estado brasileiro - gerando uma identificação extranacional, que leva ao paradoxo, relatado por oficiais das Forças Armadas, de se verem bandeiras alienígenas, como a da União Europeia, tremulando em campos de pouso da Amazônia.</p> <p>Se na época da Liga das Nações a controvérsia da emancipação das minorias se confinava à Europa, hoje floresce na América e se estende aos índios. Constitui um enredo teórico que, primeiro, confere autonomia cultural e administrativa e, a seguir, preconiza independência com caráter de nação fundada na diferença étnica e na língua e, mais tarde, no território exclusivo. Ampara-se no conceito de colonialismo interno, segundo o qual a vitória da remota luta de libertação nacional, por não eliminar de imediato as desigualdades entre classes, estratos ou etnias na sociedade recém-emancipada, autoriza a continuidade do movimento independentista, desta vez fracionado em grupos de natureza diversa. </p> <p>Em paralelo, a simples permanência (ou existência por emigração) de uma minoria aspirante a nação daria margem à autonomia político-administrativa. O conceito se amplia para a noção de que, se a sociedade nacional majoritária falha na assimilação equitativa da minoria-nação, esta adquire o direito da autodeterminação em território próprio. Foi assim que a emigração massiva de albaneses conquistou à Sérvia um país chamado Kosovo.</p> <p>O disparate foi combatido antes da palavra pelo mineiro Afrânio de Melo Franco (1870-1943), embaixador do Brasil de 1924 a 1926 na Liga das Nações. Imortalizado por seu filho Afonso Arinos na biografia Um Estadista da República, Melo Franco lançou luzes na confrontação interesseira que as potências da Europa travavam na época. A questão era definir se e como a Liga poderia garantir algum tipo de proteção a minorias - sobretudo húngaros na Romênia, e o caso mais complexo de alemães, judeus, poloneses e russos na Lituânia. O parecer do embaixador brasileiro observou que a minoria, "tal como a concebem os tratados de proteção, não é só um grupo étnico incrustado no corpo de certo Estado, cuja maioria forma coletividade étnica distinta". E articulou o cerne de sua formulação: "A simples coexistência de grupos humanos, formando entidades coletivas, etnicamente diferentes no território e sob a jurisdição de um Estado, não é suficiente para que se seja obrigado a reconhecer, nesse Estado, ao lado da maioria da população, uma minoria cuja proteção seja confiada aos cuidados da Liga das Nações."</p> <p>Ao exaltar a doutrina do pai, Afonso Arinos de Melo Franco, chanceler de Jânio Quadros, aristocrata udenista que morreu filiado ao PFL, não deixou de observar que foi em nome da proteção a minorias nacionais na Polônia e na Checoslováquia que a Alemanha nazista aplicou a teoria expansionista do "espaço vital" e deu início à 2ª Grande Guerra. O enlace do passado (a Doutrina de Melo Franco) com a projeção do futuro (independência de nações indígenas) deveria iluminar as decisões que tomamos no presente. </p> <p><em>Aldo Rebelo é deputado federal (PCdoB-SP)</em></p> <p><strong>OESP, 17/02/2009, Espaço Aberto, p. A2.</strong></p> Artigos assinados Wed, 11 Mar 2009 18:58:37 +0000 leila 478 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa Órfãos e música de uma nota só http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/423 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Jessé Souza </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">15/01/2009</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Folha de Boa Vista </div> </div> </div> <p>Eu não consigo compreender se os anti-indigenistas são tolos ao extremo, a ponto de não conseguirem interpretar lei e textos, ou são maliciosamente cretinos para tentar confundir a opinião pública com argumentos pífios.</p> <p>Do parlamentar de um discurso só, que não tem uma proposta a não ser falar mal da Raposa Serra do Sol, passando por emissores de opiniões raivosas até chegar a juristas de araques, todos se fazem de tolos ou se acham superiores inclusive à Corte maior deste País.</p> <p>O mais novo delírio diz respeito aos comentários sobre o voto-vista do ministro Menezes Direito, do Supremo Tribunal Federal (STF), que foi favorável à demarcação contínua da reserva indígena, mas apresentou 18 condições a serem obedecidas pelas populações indígenas.</p> <p>A idéia foi tão genial que o relator, ministro Ayres Britto, imediatamente incorporou essas 18 condições ao seu voto. Porque quem conhece o mínimo dessa questão sabe que essas condições apenas reforçam o que diz a lei e impedem qualquer má interpretação dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal e do próprio acórdão que vai sair com a decisão do Supremo.</p> <p>Essas 18 condições somente reforçam sobre o usufruto das riquezas do solo e das riquezas naturais e também corroboram o poder do Congresso Nacional decidir sobre exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos, além das questões de soberania.</p> <p>Também reforçam os artigos constitucionais de que os índios podem ser removidos por interesse nacional e confirmam que a União e o Exército podem atuar dentro da reserva quando houver necessidade da defesa da soberania brasileira ou de interesse maior da coletividade.</p> <p>Na verdade - na verdade mesmo - os 18 pontos destacados pelo ministro derrubam por terra os discursos alarmistas de militares paranóicos, políticos de uma nota só, anti-indígenas reprodutores de paranóias e formadores de opinião lacaios do "avançar a qualquer custo".</p> <p>Esse pessoal é tão idiota ou tão espertalhão, que sequer se atentou que a permissão de acesso de não-índios apontada nos itens 10 e 11 do voto do ministro apenas reforçam as regras já estabelecidas pelas unidades de conservação e pela própria Funai. Não muda nada, apenas esclarece.</p> <p>Talvez a única novidade, de verdade mesmo, é o item 16, que deixa claro que as terras bem com a renda indígena gozam de plena isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros. Traduzindo: os índios ganharam uma Área de Livre Comércio com isenção zero.</p> <p>Os demais itens, repito, corroboram a Constituição, inclusive repetindo o texto constitucional, no último item: "Os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis".</p> <p>Tolo é quem acredita em discurso de parlamentar de uma nota só e em opiniões de quem ficou órfão de um tema que não cabe mais paranóia.</p> <p><i>Articulista - jesse@folhabv.com.br</i></p> <p><strong>Folha de Boa Vista, 15/01/2009, Opinião.</strong></p> Artigos assinados Mon, 19 Jan 2009 20:46:29 +0000 leila 423 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa Freio de arrumação http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/422 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Mércio Pereira Gomes </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">15/01/2009</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> O Globo </div> </div> </div> <p>Por maioria expressiva de oito votos, o STF reafirmou a legalidade constitucional do decreto presidencial que homologou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada na parte mais setentrional do Brasil, em Roraima, onde vivem 19.000 índios ingaricós, macuxis, vapixanas, taurepangues e patamonas. Manteve os limites estabelecidos e ordenou a retirada dos invasores arrozeiros.</p> <p>É a consagração do indigenismo brasileiro criado pelo Marechal Rondon em 1910, cujos resultados estão concretizados na demarcação de 550 territórios indígenas que perfazem 1,1 milhão de hectares, ou 12,9% do território nacional. O Brasil dá mais um passo em busca da reconciliação com os povos indígenas, sobre cujas terras originais se constituiu como nação. Os ministros do STF votaram com o coração na mão, cientes de que estavam proferindo as bases do reconhecimento dos direitos mais profundos daqueles índios. Reafirmaram a validade do processo de reconhecimento de terras indígenas e acolheram a visão rondoniana de que a realidade indígena está inserida integralmente na nacionalidade.</p> <p>Nas ressalvas, os ministros deram resposta a todos os disputantes. Aos militares, concederam o direito de entrar em terras indígenas sem ao menos consultar os índios, caso seja do interesse nacional; aos servidores, estabelecram a legitimidade de ação do Estado. Aos índios, foi-lhes reafirmada a proibição de arrendar terras a não-índios, por terem o usufruto exclusivo.</p> <p>Enfaticamente, o STF se pronunciou sobre o princípio de que o direito indígena não se sobrepõe ao direito da defesa nacional e da proteção do meio ambiente. Afirmação juridicamente desnecessária, apenas para politicamente posicionar a Constituição brasileira acima da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, promulgada pela ONU, que fala em seu artigo 3º que os índios têm direito à autodeterminação. Adicionalmente, propôs novos parâmetros para regular a demarcação de novas terras indígenas, parâmetros que vão requerer a anuência de estados e municípios sobre o reconhecimento dessas terras.</p> <p>Por tudo isso, o STF deu um freio de arrumação no indigenismo brasileiro.</p> <p>Agora caberá ao Executivo e ao Legislativo interpretar essa decisão histórica, agir na reformulação da política indigenista, sem comprometer os princípios rondonianos, e assim postar-se à altura dos novos tempos.</p> <p><i>Mércio Pereira Gomes é antropólogo e foi presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).<i></i></i></p> <p><strong>O Globo, 15/01/2009, Opinião, p.7</strong></p> Artigos assinados Mon, 19 Jan 2009 19:34:32 +0000 leila 422 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa 11 cidades de São Paulo http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/427 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Ives Gandra da Silva Martins </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">21/12/2008</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> FSP </div> </div> </div> <p>São Paulo é a cidade mais populosa do Brasil e, nas Américas, perde apenas para a Cidade do México e Nova York. Tem quase 11 milhões de habitantes.</p> <p>Um território correspondente a 11 cidades de São Paulo -o que valeria dizer, se habitado nos moldes dessa metrópole, a mais de 110 milhões de brasileiros- foi praticamente assegurado pelo Supremo Tribunal Federal para apenas 18 mil índios. Pela decisão de oito eminentes julgadores daquela corte, os brasileiros lá residentes há décadas terão que se retirar para que um museu do índio vivo seja preservado e para que possam eles caçar, pescar e admirar a paisagem.</p> <p>A fim de que tais índios não sejam perturbados em suas tradições primitivas, os demais 185 milhões de brasileiros estarão proibidos de lá entrar sem uma autorização da Funai, emitida sempre para algumas horas de estadia. Excetua-se a possibilidade de as Forças Armadas e a Polícia Federal lá ingressarem sem o carimbo da Funai.</p> <p>Impressiona-me, todavia, a facilidade com que a Funai autoriza considerável número de ONGs estrangeiras a ficar por mais que algumas horas e a atuar nas áreas contingenciadas, como me impressiona que as referidas áreas estejam entre as mais ricas em minérios, biodiversidade e recursos hídricos, não tendo ficado claro, no voto dos preclaros julgadores, quem poderá explorá-los e quem se beneficiará dos recursos financeiros decorrentes se, um dia, a exploração for autorizada.</p> <p>Roraima praticamente deixará de existir. Quarenta e seis por cento de seu território foram declarados como pertencentes aos índios, em que o governo é a Funai. A outra metade, quase por inteiro, a União entende pertencer-lhe, o que vale dizer, são terras administradas pelo Incra. De rigor, Roraima é o primeiro Estado brasileiro praticamente sem território, pois ou pertence aos índios ou pertence à União, ou seja, quem o governa são a Funai e o Incra.</p> <p>Pela decisão, se for confirmada no próximo ano -faltam três votos-, os eminentes ministros do Supremo -que admiro há muitos anos, tendo, inclusive, livros escritos com alguns deles- outorgariam, pelo precedente criado, a pouco mais de 400 mil índios, nascidos ou não no Brasil, com cultura diferente da dos outros 185 milhões de brasileiros, 107 milhões de hectares, vale dizer, 4,5 Estados de São Paulo, onde vivem hoje 42 milhões de brasileiros!</p> <p>Thomas Friedman, em "O Mundo é Plano", não vê mais espaços para o isolamento de países, regiões e povos, de maneira que os índios "não civilizados", nos próximos 50 anos, estarão, rigorosamente, adaptados aos padrões culturais do mundo inteiro, recebendo, porém, seus descendentes o privilégio de viver em extensas áreas territoriais herdadas dos pais.</p> <p>Enquanto isso, continuarão os brasileiros não-índios mais pobres não "aprisionados" em vastas extensões de terras descontínuas, como afirmou o brilhante ministro Carlos Ayres Britto -que, por ser bom poeta, impregna seus votos de líricas imagens- , mas em dolorosas favelas, sem espaço, como os estudos antecipatórios de especialistas e de entidades a eles dedicados, no mundo inteiro, sinalizam que haverá na segunda metade do século 21.</p> <p>Hart, grande jusfilósofo inglês, em 1961, no seu livro "The Concept of Law", disse que "direito é o que a Suprema Corte declara ser". Não se discute, pois, uma decisão do Supremo.</p> <p>Não deixa de ser, todavia, estranho que, assegurando o artigo 5º, inciso XV da Constituição, a todos os brasileiros o direito de andar livremente por todo o território nacional, 185 milhões possam andar sem autorizações funaianas por apenas 87% do país, enquanto aos índios, mesmo os não nascidos no Brasil e que para cá migraram de outros países sul-americanos, está garantido o direito de percorrer 100% do Brasil, independentemente de qualquer autorização.</p> <p>É de lembrar que o Brasil assinou declaração universal de auto-determinação dos povos indígenas na ONU, em fins do ano passado, enquanto Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e Canadá, que têm índios, não assinaram.</p> <p>Compreende-se que indígenas de nossos países vizinhos, que não têm tratamento igual ao brasileiro para seus nativos, estejam ingressando no país, passando a ter direitos superiores aos dos brasileiros não-índios de circulação no território nacional. Todos são iguais perante a lei, mas, como dizia Orwell, alguns são, decididamente, mais iguais do que os outros. </p> <p><I>Ives Gandra da Silva Martins, 73, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária.</i></p> <p><STRONG>FSP, 21/12/2008, Tendências/Debates, p.A3</strong></p> Artigos assinados Wed, 28 Jan 2009 19:22:27 +0000 leila 427 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa Raposa(s) no Supremo http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/436 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Marcelo Leite </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">14/12/2008</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> FSP </div> </div> </div> <p>Um dia alguém ainda vai contar direito a história da decisão de quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma acachapante maioria de oito votos -por ora, pois faltam três- confirmou a homologação em formato contínuo da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol.</p> <p>A meia dúzia de arrozeiros que inflamou Roraima e tantos preconceitos antiindígenas adormecidos Brasil afora terá de abandonar a área. O governador José Anchieta Júnior (PSDB) e os senadores roraimenses Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB), patrocinadores da causa contra os índios, ficaram dependurados na brocha.</p> <p>Não era bem o que se esperava, para dizer o mínimo. O próprio STF se encarregou de atrair os holofotes sobre si e sobre a hipótese de uma decisão desfavorável à continuidade da terra indígena com um ato de ativismo judiciário explícito: a viagem de três ministros à terra indígena, em 22 de maio deste ano.<br /> Disse na época o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, um dos excursionistas: "Temos uma tríplice fronteira, temos comunidades indígenas, que têm parentes em outros países, temos uma presença bastante grande -e este é um dos reclamos- de organizações não-governamentais de toda índole. Tudo está em discussão, de certa forma, no processo".</p> <p>Para bom entendedor, suas tantas palavras sobre o tema sempre bastaram. Ainda que de modo inadvertido, faziam dupla com pronunciamentos bem mais diretos de oficiais como o general Augusto Heleno, ninguém menos que o comandante militar da Amazônia. Para Heleno, a política indigenista brasileira, tal como é praticada pela Funai com base nos artigos 231 e 232 da Constituição, é "lamentável, para não dizer caótica".</p> <p>O STF entendeu diferente, ao menos no que respeita ao processo de homologação de Raposa/Serra do Sol contestado pelos fazendeiros, que chegaram a participar de manifestações em unidades militares de Roraima. Há dúvida ainda sobre o alcance das 18 exigências formuladas pelo ministro Direito e referendadas pela maioria dos votos, mas não há como falar nem em vitória parcial da coalizão antiindígena.</p> <p>Dito de outra maneira, o Supremo pariu um rato. Bem o oposto do que vinha sugerindo o noticiário dos últimos meses. Nos dias anteriores à decisão de quarta, não faltaram reportagens antecipando a suposta tendência do STF favorável aos rizicultores e à homologação descontínua.</p> <p>Basta juntar dois e dois para concluir que ou os jornalistas e suas fontes estavam desinformados, ou se prestaram -por ingenuidade ou má-fé- a uma tentativa canhestra de manipulação. Uma aposta, talvez, em que o preconceito antiindígena aliado a interesses latifundiários e militar-nacionalistas acabaria por constranger o Supremo.</p> <p>Pois bem: deu oito a zero. Contra a homologação descontínua. Os ministros que já votaram no Supremo, mesmo com ressalvas à Funai e ONGs, aplicaram uma espécie de cala-boca na turma contra Raposa/Serra do Sol.</p> <p>A tensão subjacente ao caso emergiu até entre ministros. Marco Aurélio Mello reagiu à proposta do relator Carlos Ayres Britto de suspender a liminar a favor dos fazendeiros, diante da maioria contrária a seu pleito, reafirmando seu direito de sustar o julgamento com um novo pedido de vista.</p> <p>Gilmar Mendes ficou do seu lado. A decisão final, para 2009. E os fazendeiros, mais algumas semanas em seus arrozais.</p> <p><I>Marcelo Leite</i></p> <p><STRONG>FSP, 14/12/2008, Mais, p. 9</strong></p> Artigos assinados Wed, 28 Jan 2009 20:36:25 +0000 leila 436 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa A nova nacionalidade brasileira http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/438 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> José de Souza Martins </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">14/12/2008</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> OESP </div> </div> </div> <p>A votação ainda em andamento no STF, mas já decidida, quanto à forma da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, se contínua ou em ilhas territoriais, muda conceitos, altera tendências históricas e cria um problema muito maior, ainda que diferente, do que o que motivou o processo. É que há implicações laterais na decisão que está sendo tomada pelos ministros que nos obrigam a repensar até mesmo nossa identidade nacional. Como ressaltou o ministro Cezar Peluso, com razão, à luz de nossas tradições históricas, no Brasil só há uma nacionalidade, a nacionalidade brasileira, que precede outras identidades. Aqui as diferenças étnicas, lingüísticas e culturais não têm nem a consistência nem os atributos de nacionalidades que, no abrigo desse conceito, possam invadir as atribuições do Estado. Nossa nacionalidade é a nacionalidade do Estado, fica claro agora.</p> <p>Basicamente, os juízes do Supremo estão tendo em conta que um dos fatos em jogo no presente julgamento é o de que o tratamento que uma declaração das Nações Unidas vem sugerindo a nativos e minorias étnicas, em todo o mundo, pode implicar o reconhecimento de identidades regionais, étnicas ou tribais como nacionalidades. Nesse tratamento poderiam constituir germes de reivindicações nacionais em conflito com a afirmação da nacionalidade. A preocupação não é descabida. Desde os anos 70, o tratamento de povos indígenas vem sendo dado aos diferentes grupos indígenas brasileiros por entidades religiosas e organizações não-governamentais, que têm sido os mais importantes e ativos grupos de mediação entre índios considerados imaturos, e como tais tratados, e o Estado que legalmente os tutela. Não fossem muitas delas, aliás, o extermínio de povos inteiros a partir da expansão da fronteira, com a ocupação territorial dos anos 70, teria sido mais trágico do que foi. Nessa concepção há, sem dúvida, uma difusa tese de nacionalidade política, mesmo que não intencional. </p> <p>A terra está nas raízes desses dilemas. Desde nossa primeira Constituição republicana, o governo da União, ao transferir o domínio das terras devolutas aos Estados da Federação, na prática abriu mão do território em favor do repasse dessas terras aos particulares. Foi a moeda de troca do clientelismo político da República Velha. As terras indígenas ficaram à mercê do risco da privatização, até pelo esvaziamento genocida de territórios indígenas, de que é possível fazer extensa lista de casos. </p> <p>No movimento da União para restituir ao Estado nacional o domínio sobre o território, em questões substantivas como a dos povos nativos, a do controle das riquezas nacionais e a da segurança nacional, a colocação dos índios sob tutela do governo federal e o reconhecimento do seu direito imemorial às terras que ocupam foi dos mais importantes capítulos da história da reparação do grave erro da perda absoluta do domínio sobre o território, pelo Estado nacional, decorrente da Lei de Terras de 1850. Litígios como o agora apreciado pelo STF decorrem do conflito entre a privatização das terras na propriedade absoluta instituída por aquela lei do Império e os esforços da União para consertar o erro cometido e restituir ao Estado a base territorial de sua soberania. Na mesma linha de recuperação de domínio vão as leis fundiárias do regime militar e a política de reforma agrária que sobrepôs os interesses nacionais ao direito de propriedade. </p> <p>No caso presente, o Supremo reforça o princípio essencial desse movimento que restitui à União o domínio sobre os territórios ocupados pelas populações indígenas. Diferente do que supõem vários dos ministros que já se pronunciaram, não se trata propriamente de um reparo a uma injustiça histórica contra as nossas populações nativas. A injustiça não está apenas na sua privação dos respectivos territórios, o que já ocorreu irremediavelmente em larga extensão. As terras ora cogitadas são residuais de extenso esbulho. A injustiça está sobretudo nas circunstâncias do contato entre brancos e índios, de que a terra é um componente decisivo, mas não único. Nesse sentido, a decisão que está sendo tomada, sobretudo as 18 condições que o ministro Menezes Direito estabeleceu para o reconhecimento do princípio da reserva territorial contínua, longe de dar à decisão do Supremo o caráter de uma vitória dos índios, representa de fato uma derrota das populações indígenas. Elas ganham o território, mas ficam expostas aos riscos culturais do contato compulsório dos executores das políticas decorrentes das razões de Estado. </p> <p>Se, como argumenta o ministro Peluso, somos uma só nacionalidade, as 18 condições do ministro Menezes Direito não incluem nenhuma consideração sobre a pluralidade cultural, aí incluída a lingüística, do povo brasileiro. Diferença que não afeta nossa nacionalidade, apenas a enriquece. Nesse sentido, ao estabelecerem condições para os índios, não estabelecem nenhuma condição para o poder público e seus agentes no trânsito e ocupação de áreas do território indígena. Ao negar aos índios qualquer forma de soberania territorial, ainda que parcial, nega-lhes também o direito de exigirem, no exercício dos privilégios legais agora concedidos ou reconhecidos ao Estado, a aculturação parcial inversa, na perspectiva dos índios, uma certa indianização, desses ocupantes consentidos e mesmo temporários, como os militares. Para que, no devido e prévio conhecimento das culturas e dos costumes indígenas, não se tornem agentes de uma violência até mais grave do que a invasão de suas terras pelos arrozeiros e seus empregados. Temos trágica história de violência já apontada por Darcy Ribeiro, de que os agentes de contato com as populações indígenas não são os melhores representantes da civilização. Tem sido comum, na frente de expansão e do contato com essas populações, que os agentes da sociedade branca as considerem preferentemente animais do que humanos, sentido que tem, aliás, no sertão, a palavra caboclo. </p> <p><I>José de Souza Martins, professor titular de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP</i> </p> <p><STRONG>OESP, 14/12/2008, Aliás, p. J6</strong></p> Artigos assinados Wed, 28 Jan 2009 20:49:34 +0000 leila 438 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa As inócuas e desnecessárias "condições" de Menezes Direito http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/451 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Rodrigo Taves </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">12/12/2008</span> </div> </div> </div> <p>Mais uma vez o assunto é Raposa Serra do Sol. Depois da incontestável vitória dos índios contra os arrozeiros (que já sabem que serão sumariamente expulsos da reserva) e, por tabela, contra todas as autoridades de Roraima, do governador aos deputados, vem à tona essa discussão absolutamente tola e sem sentido sobre as tais "18 condições" sugeridas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, em seu voto.</p> <p>A principal condição _ a de que as Forças Armadas tenham livre acesso à reserva para instalar postos de fronteira e pelotões _ já está plenamente contemplada na Constituição e, na prática,nunca foi desrespeitada. O Exército tem pelotões de fronteira em diversas áreas indígenas e, como eu escrevi há alguns dias, só não tem mais por falta de infra-estrutura ou por incompetência. Jamais se ouviu falar que a Funai ou tribos indígenas tenham agido para impedir a livre circulação de soldados nos pelotões.</p> <p>Como as terras continuam sendo da União, administradas pela Funai, também está implícito que podem ser feitas todas as obras de infra-estrutura necessárias ao país. Os estudos para a construção de hidrelétricas têm de obedecer, como em qualquer outra área do país, os estudos de impacto ambiental _ e dentro desses impactos estão os que podem ter influência na vida dos índios. A questão é complexa (e deve ser mesmo), por afetar a vida de pessoas que devem ser protegidas pelo Estado brasileiro. </p> <p>Mineração em terras indígenas é tema de um projeto em discussão no Congresso, e enfrenta a objeção de líderes indígenas como David Yanomâmi. Há casos mal resolvidos, como o da reserva dos índios cinta-larga, em Rondônia, onde brancos exploram ilegalmente os diamantes pagando taxas aos índios, mas o problema é de falta de fiscalização, como tudo nesse país, e não de legislação. Não é uma condição baixada pelo STF que vai mudar a situação de fato dos garimpos ilegais dentro e fora de áreas indígenas.</p> <p>Sempre coube à Funai estabelecer as regras para a entrada e a permanência de não-índios nas terras indígenas, o que torna outra "condição" de Menezes Direito totalmente desnecessária e inócua. Da mesma forma, é chover no molhado dizer que as terras indígenas não podem ser arrendadas ou negociadas. Será que o ministro não sabe que terra indígena é propriedade da União e, por isso, não pode ser arrendada? Pode ser grilada, como fizeram os arrozeiros em Raposa Serra do Sol e milhares de outros produtores inescrupulosos pelo país afora.</p> <p>Duas das condições são preocupantes, primeiro porque, com elas, Direito e os ministros que seguiram seu voto se arvoraram no direito de legislar, usurpando uma função do Poder Legislativo. A primeira diz que a Funai não pode ampliar terra indígena já demarcada. Por que não pode? Se houver necessidade de ampliar, é só reiniciar todo o processo de demarcação, homologação, etc. Em Raposa, essa discussão é inócua, porque jamais haverá necessidade de ampliação da reserva. Mas há casos no Mato Grosso do Sul de índios absolutamente espremidos em terras minúsculas, precisando de mais espaço. Por que não se pode discutir o assunto, propor a ampliação? Uma "condição" do STF não parece o meio mais adequado para impor tal proibição.</p> <p>A outra condição preocupante é a que diz que os índios só podem explorar os recursos hídricos ou energéticos de suas terras se o Congresso autorizar. Que história é essa? A terra é deles, e os rios que passam dentro dessas terras são deles também. Podem ser explorados para uma série de coisas: pesca, irrigação de plantações, produção de energia elétrica, construção de redes de água nas vilas das reservas, etc. Você, por acaso, imagina uma tribo indígena tendo de pedir autorização ao Congresso para tirar água de um rio dentro de sua reserva? Definitivamente, Carlos Alberto Menezes Direito é melhor como ministro do STF do que como o pretenso legislador que ele pretende ser.</p> <p><I>Rodrigo Taves</i></p> <p><STRONG>Blog da Amazônia Selvagem, 12/12/2008 - oglobo.globo.com/blogs/amazonia</strong></p> Artigos assinados Wed, 28 Jan 2009 21:25:58 +0000 leila 451 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa Terra de índio http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/455 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Jânio de Freitas </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">11/12/2008</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> FSP </div> </div> </div> <p>Surpreendente -esta é a palavra a ser aplicada a qualquer aspecto decisivo da confirmação, pelo Supremo Tribunal Federal, da reserva indígena Raposa/Serra do Sol em área contínua, e não dividida em espaços separados como reivindicaram os grandes fazendeiros da região e o governo de Roraima.</p> <p>A suspensão do julgamento há quatro meses, a pedido do ministro Menezes Direito, quando havia apenas o parecer do relator Ayres Britto favorável à área contínua, difundiu temores de que o retardamento viesse a facilitar a reação ao parecer. O noticiário das duas últimas semanas reforçou os temores, com as reiteradas "antecipações" de que o STF imporia uma "solução intermediária", o que seria contrário à reserva contínua, como demarcada em 2005 no decreto de sua efetivação. Já com a retomada do julgamento começaram as surpresas.</p> <p>O extensíssimo voto de Menezes Direito correspondeu aos quatro meses consumidos para apresentá-lo. Mas não a outra expectativa: foi "favorável em parte" ao parecer do relator. Um voto duas vezes surpreendente: aceitou a área contínua, quando o esperado e o decorrer da sua leitura sugeriam o contrário, mas apoiou "em parte" um relatório que não se ofereceu a divisões. As razões expostas por Ayres Britto fundamentam só a conclusão contrária ao recurso dos fazendeiros e ao governo de Roraima, e pronto. Nenhuma questão adicionada.</p> <p>O "em parte" foi utilizado para explicar outra surpresa trazida pelo voto de Menezes Direito: 18 condições a serem satisfeitas pelos índios e pelas repartições governamentais envolvidas com os assuntos indígenas e, em particular, com a Raposa/Serra do Sol. Além do reconhecimento da liberdade de ação das Forças Armadas e polícias dentro da reserva. Afora a preocupação com horário de visitas, com pedido de licença governamental para fazê-las, por exemplo, as condições relevantes já encontram resposta na Constituição e em várias leis e regulamentos, ficando pendentes preocupações surpreendentes, em se tratando do Supremo, como, por exemplo, o horário de visitas e a proibição de cobrança de pedágio por índios.</p> <p>O STF tem sido acusado de apropriar-se do poder de legislar, que seu presidente, Gilmar Mendes, define como decisões decorrentes da "omissão e lentidão do Congresso". As regras dadas como condições, no voto de Menezes Direito, talvez sejam provenientes das novas tendências de que o STF é acusado.</p> <p>Ainda assim, é bem aparente sua relação com a animosidade que extravasou de muitas partes do voto de Menezes Direito. Sugestões de uma contrariedade mal contida, como nesta expressão sem cabimento algum nas circunstâncias: "O índio pode tudo". O "É," inicial não fez falta para a ênfase da crítica aos estudiosos e legisladores (será que jornalistas também?) que defendem a população indígena.</p> <p>Seguiram-se seis votos, antes de adiado o complemento apenas formal da decisão. Cinco surpresas: com uma ou outra ressalva e a exceção do ministro Joaquim Barbosa, os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowsky, Eros Grau, Cezar Peluso e Ellen Gracie acompanharam as regras, ou o "em parte", do voto de Menezes Direito. Embora a questão posta ao STF não passe da compatibilidade, ou não, entre a Constituição, a demarcação da reserva estabelecida no governo passado e o decreto do atual governo que a efetivou. Sim ou não, antecedidos de por quê.</p> <p>O ministro Marco Aurélio Mello não faltaria com a sua em um dia de surpresas. Ou as suas. Pretendeu adiar a sessão com um "pedido antecipado de vista" em seguida ao primeiro voto do dia, e ainda distante da sua hora de votar. Não teve êxito. Ao final, a segunda surpresa: já com oito votos favoráveis à demarcação contínua, insistiu no pedido e adiou o que será a complementação sem possível reversão do decidido.</p> <p>O ministro Ayres Britto celebrou resultado e sessão com uma de suas frases peculiares: "O Brasil vai se olhar na história e não mais corar de vergonha". Se um mal letrado pode imitar um douto ministro do Supremo, sugiro uma regra singela: para a certeza de não corar, é melhor não olhar para trás, nem olhar muito para as mazelas que sobram no presente.</p> <p><I>Jânio de Freitas</i></p> <p><STRONG>FSP, 11/12/2008, Brasil, p. A9.</strong></p> Artigos assinados Wed, 28 Jan 2009 21:49:32 +0000 leila 455 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa A demarcação deve ser em área contínua? Não http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=node/405 <div class="field field-type-text field-field-autor"> <div class="field-label">Autor:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> Salvador Raza </div> </div> </div> <div class="field field-type-date field-field-data-artigo"> <div class="field-label">Data de publicação:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> <span class="date-display-single">10/12/2008</span> </div> </div> </div> <div class="field field-type-text field-field-fonte"> <div class="field-label">Fonte:&nbsp;</div> <div class="field-items"> <div class="field-item odd"> OESP </div> </div> </div> <p>A decisão pelo Supremo sobre a Raposa Serra do Sol enfrenta quatro condições: (1) assegurar a integridade territorial frente a ameaças externas nascidas de vulnerabilidade que a demarcação contínua cria; (2) assegurar a exploração sustentada de riquezas naturais; (3) proteger a biodiversidade e o equilíbrio ambiental; (4) preservar a cultura, a estrutura social e os mecanismos primários de subsistência de povos indígenas de acordo com regras criadas pela política indigenista nacional.</p> <p>Essas condições estão alinhadas com legítimos interesses de segurança nacional, com interesses empresariais que fomentam o desenvolvimento regional, com interesses de preservação ambiental, que protege nosso patrimônio, e com interesse de caráter civilizatório dos indigenistas. O problema aloja-se na mútua exclusividade desses interesses, quando eles são alimentados por radicalismos nascidos de necessidades operacionais de cada alternativa. Há exageros nos requisitos operacionais militares pautados em cenários catastróficos e há exigências operacionais descabidas feitas pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) para a saída de todos os não-índios da região, dando a apenas 17 mil índios a propriedade de 1,7 milhão de hectares, comprometendo a existência de Roraima como Estado, pois, com a demarcação, 46% de suas terras serão reservas indígenas. </p> <p>A situação agrava-se quando esses radicalismos são fomentados por ONGs como a The Nature Conservancy (TNC), que alegadamente recebe dinheiro dos governos dos Estados Unidos, Reino Unido e França para financiar a identificação de áreas para exploração comercial por estrangeiros.</p> <p>Na ausência de critérios que justifiquem consistentemente a demarcação contínua, apela-se para princípios genéricos e ameaça-se o uso da força para assegurar a alguns poucos indígenas prerrogativas desmedidas e descabidas frente aos interesses das outras partes. </p> <p>O Supremo não deve intimidar-se nem por essas ameaças nem pela possibilidade de sua decisão poder levar à revisão de outras reservas erroneamente dimensionadas. Ao decidir pela demarcação por ilhas, o Supremo estará desenhando um ponto de equilíbrio e compromisso entre as quatro alternativas, enquanto protege aos indígenas dentro da condição civilizatória aonde eles se alojam, tenha sido essa condição alcançada por contingência ou por opção, integrando-os na modernidade enquanto respeita sua cultura. Se o Supremo não temer tomar as decisões que lhe cabem, então o Estado não poderá ter receio de exercer o legítimo uso da força para evitar que a força da arrogância ideológica seja substituta da lei. </p> <p><em>Salvador Raza, fundador do Cetris - Centro de Tecnologia, Relações Internacionais e Segurança; especialista em defesa e estratégia</em> </p> <p><strong>OESP, 10/12/2008, Nacional, p.A4.</strong></p> Artigos assinados Wed, 10 Dec 2008 18:48:36 +0000 leila 405 at http://util.socioambiental.org/inst/esp/raposa